Título: Parecer controverso leva secretário da Mesa do Senado a pedir exoneração
Autor: Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 29/08/2007, Política, p. A10

Uma nova interpretação jurídica feita pela assessoria do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), caiu como uma bomba no colo dos relatores do processo contra o pemedebista, que o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar irá julgar amanhã. Segundo esse parecer, não só a votação no conselho tem que ser secreta, como até os relatores precisam preservar o sigilo de seus votos. Ou seja, numa interpretação inédita, a consultoria - subordinada à presidência do Senado, e portanto a Renan - afirma que os relatores da representação que apura suposta quebra de decoro parlamentar por parte de Renan não podem se manifestar sobre o mérito da denúncia. Por esse raciocínio, os pareceres têm de ser descritivos, limitando-se a relatar o processo.

A interpretação da lei de que a votação deve ser secreta no conselho levou o secretário-geral adjunto da Mesa Diretora do Senado, Marcos Santi, a pedir exoneração do cargo. Segundo ele, tenta-se aplicar uma regra que é do plenário para uma votação em comissão. "Trata-se de mais uma interpretação encomendada em um contexto que vem sendo manipulado desde o início pelo próprio acusado", disse.

O parecer da consultoria, elaborado a pedido do presidente do conselho, Leomar Quintanilha (PMDB-TO), foi apresentado ontem verbalmente aos três relatores - Renato Casagrande (PSB-ES), Marisa Serrano (PSDB-MS) e Almeida Lima (PMDB-SE) -, em reunião no gabinete de Quintanilha. Dos três relatores, apenas Almeida Lima, aliado de Renan e único a defender o arquivamento da denúncia, concordou com a interpretação dos consultores. "Não é opinião. É uma questão constitucional. Se o presidente do conselho de ética fizer diferente (voto aberto e manifestação dos relatores), cabe mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF)", disse Almeida Lima.

Casagrande e Serrano discordam, lembrando que, em todas os assuntos que tramitam no Legislativo, a função do relator é propositiva. "Não poder me manifestar de forma conclusiva é um desperdício do trabalho feito", disse o relator do PSB. Caso prevaleça essa interpretação da consultoria, Casagrande e Serrano serão impedidos de recomendar a cassação do mandato de Renan, como tendiam a fazer. Almeida Lima é o único que defende arquivamento da denúncia.

A sessão para votação do relatório no conselho está marcada para amanhã, às 10h. Antes, os integrantes devem decidir essa questão formal, do sigilo ou não do voto, com a implicação sobre a manifestação ou não dos relatores sobre o mérito da denúncia.

Caso Quintanilha decida aplicar o sigilo determinado, senadores de vários partidos irão contestar. Pelo menos a metade dos 16 integrantes do conselho chegaram a defender o voto aberto nessa fase do processo. Essa contestação, no entanto, pode ser inibida pelo temor de futuros questionamentos jurídicos contra a decisão do conselho.

Essas dúvidas sobre a tramitação de representação por quebra de decoro no Senado são provocadas pela falta de regras claras para dirigir os procedimentos do Conselho de Ética da Casa. A Constituição determina que a votação de perda de mandato seja secreta, mas, como não fala em Conselho de Ética, essa regra sempre foi aplicada apenas ao plenário. O mesmo artigo da Constituição (55) estabelece que é preciso maioria absoluta a favor da perda de mandato para que haja cassação.

Esse quórum também só é aplicado às votações no plenário. Por isso, a interpretação da consultoria surpreendeu. Segundo o parecer, a lógica é a seguinte: já que não há regras claras para o conselho, nele devem ser aplicadas as mesmas normas previstas para o plenário. E, por isso, o mesmo sigilo exigido dos senadores deve ser exigido dos relatores. O fato de um presidente do Senado estar sendo julgado agrava ainda mais o quadro e esquenta a polêmica. Por isso, senadores da oposição e até de partidos governistas vêm defendendo o afastamento de Renan do cargo.

Como presidente do Senado, Renan tem condições de interferir em todas as fases do processo, além de causar constrangimento aos colegas, que serão obrigados a julgá-lo. Aliados do pemedebista avaliam que, numa votação aberta, Renan seria absolvido por oito dos 16 integrantes do conselho. Em votação secreta, Renan espera ter votos do DEM.