Título: Tensão agrária envolve sin tierra e brasiguaios
Autor: Souza, Marcos de Moura e
Fonte: Valor Econômico, 29/08/2007, Internacional, p. A11

O juiz paraguaio Silvino Delvalle, da Vara Cívil e Comercial de Assunção, deve anunciar nos próximos dias uma decisão sobre um processo que deve alimentar a tensão entre as autoridades e os sem-terra do país, por um lado, e os "brasiguaios", por outro. O caso envolve a disputa de posse de uma área no Paraguai avaliada em US$ 6 milhões e onde desde o fim dos anos 60 trabalham e vive um grupo de agricultores brasileiros.

A área, de 3 mil hectares, fica em uma região chamada Laterza Cué, no departamento de Caaguaza. Camponeses sem-terra vêm pressionando os brasileiros a deixar a região sob o argumento de que as propriedades devem ser destinadas à reforma agrária. Fontes ouvidas pelo Valor afirmaram que o nível de tensão é elevado e que algumas das 109 famílias de brasileiros já tiveram suas casas invadidas por sem-terra. A produção de soja, milho e trigo em boa parte da região está interrompida pela ação dos camponeses paraguaios. No ano passado teria havido até uma tentativa de homicídio contra um produtor brasileiro.

"O processo ainda está em primeira instância, mas qualquer que seja o veredicto do juiz poderá alimentar um enfrentamento", disse um interlocutor de Silvino Delvalle, que pediu para não ter seu nome citado. "Dizem que os dois lados estão armados", acrescentou. Segundo ele, o juiz teria dito ontem que emitirá uma decisão nos próximos dias.

O processo que está com Delvalle é movido pelos brasileiros Domingo Favero, José Luiz Bortolini e Juárez Bortolini, em nome dos demais pequenos agricultores. O alvo da ação é o instituto de terras Instituto Nacional de Desenvolvimento Rural (Inder), órgão do governo paraguaio equivalente ao Incra brasileiro. Em 2004, o Inder desapropriou as terras de Laterza Cué para fins de reforma agrária. A ação também tem como alvo o líder camponês paraguaio Teófilo Agillar.

O que os brasileiros querem é tentar garantir na Justiça o direito de permanecer nas terras. Mas a briga envolve interesses variados. Além dos camponeses e do Inder, o empresário argentino Mário Laterza passou a reivindicar a primazia sobre as terras, alegando obter títulos de posse. As terras eram da família argentina, mas nos anos 60 teriam mudado de mãos, passando para um proprietário paraguaio (em guarani, o nome Laterza Cué significa algo como "que foi dos Laterza"). Daí em diante, as poucas certezas sobre a titularidade da região desapareceram de vez.

Nos anos 80, os agricultores brasileiros apostaram num lance incerto: aparentemente convencidos de que com isso obteriam finalmente os títulos sobre as áreas, eles assinaram uma procuração em nome de um produtor grego radicado na região que atuaria como representante legal junto às autoridades do país. Mas o representante tinha outros planos e vendeu a área para terceiros. As famílias brasileiras possuem comprovantes de compra - alguns deles de 1969 -, mas nunca puseram as mãos nos títulos das terras.

A região tem terra fértil, é rica em madeira e registra índices elevados de produtividade (5,8 toneladas por hectare, índice superior à média paraguaia). Duas fontes ouvidas pelo Valor no Paraguai, familiarizadas com o caso, dizem que a disputa sobre a área envolve também interesses de políticos e compromissos eleitorais com camponeses paraguaios em detrimento dos "brasiguaios", os brasileiros radicados no país. No Paraguai, vivem cerca de 150 mil brasileiros, a maioria deles trabalhando na agricultura em áreas pequenas, muitos reunidos em cooperativas - como ocorre em Laterza Cué. Os brasileiros e seus descendentes produzem 85% da soja do Paraguai. A presença deles, no entanto, há anos provoca desavenças e queixas por parte de camponeses paraguaios.

O Itamaraty criou um grupo para atuar junto com autoridades de Assunção na resolução de desavenças fundiárias envolvendo brasileiros no Paraguai. Para muitos, Laterza Cué é o pior deles.