Título: Empresas pegam carona no sucesso
Autor: Pires, Luciano ; Hessel, Rosana
Fonte: Correio Braziliense, 09/01/2011, economia, p. 16

No rastro dos emergentes, companhias brasileiras tiram proveito do momento favorável e cruzam fronteiras internacionais. O faturamento de 52 multinacionais verde-amarelas atingiu R$ 136 bilhões em 2009 e cresce a um ritmo de até 20% ao ano Se a disputa com os países ricos por mais espaço dentro do novo e complexo cenário internacional confere aos emergentes doses extras de força e notoriedade, as grandes corporações também não têm do que reclamar. Os balanços mais recentes das companhias brasileiras ligadas ao varejo, ao setor de energia, de siderurgia, entre tantos outros que atuam no exterior, revelam um vigor impressionante. Lucros e contratações em alta dão o tom de expansões, fusões e parcerias que acontecem em ritmo acelerado. E se a maré favorece as empresas nacionais mais internacionalizadas, o mesmo acontece com as que aportam dinheiro ou fábricas no Brasil ou em qualquer região potencialmente promissora. Quando o assunto é fechar um bom negócio, não existem fronteiras.

Dados da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet) demonstram que, em 2009, o faturamento das 52 multinacionais brasileiras com atuação no exterior bateu em R$ 136 bilhões. Previsões conservadoras sugerem uma alta entre 15% e 20% em 2010. Com mais dinheiro entrando no caixa, os empresários fazem planos de longo prazo, bem mais audaciosos e completos do que faziam antigamente.

Com as empresas estrangeiras instaladas no país, o quadro não é diferente. A Procter & Gamble (P&G), um colosso na área de bens de consumo em todo o mundo, por exemplo, quer aumentar o público brasileiro que atualmente compra seus produtos. A proposta é saltar dos atuais 125 milhões de pessoas para 200 milhões até 2015. A fatia das vendas de companhias como a P&G nos países emergentes cresce aceleradamente. Dependendo do setor e do porte, as novas fronteiras do consumo ¿ os países em desenvolvimento ¿ chegam a responder por 60% do faturamento anual.

Voo alto Um levantamento da LCA Consultores destaca que o fluxo de investimentos externos no Brasil já voltou aos patamares registrados antes da crise econômica internacional, o que encoraja o setor privado nacional e estrangeiro a alçar voos mais altos. ¿O Brasil, assim como as demais economias emergentes, está despertando o interesse porque as taxas de crescimento estão bem acima da média mundial e das nações desenvolvidas¿, diz Homero Guizzo, economista da LCA. Ele acrescenta que, só entre janeiro e novembro de 2010, o saldo chegou a US$ 38,2 bilhões e a tendência é que continue crescendo.

Simão Davi Silber, professor do departamento de Economia da Universidade de São Paulo (USP), destaca a importância do Brasil no contexto geral, mas julga ser inevitável que China e Índia desloquem com mais rapidez e personalidade peças importantes do xadrez econômico. ¿São as duas economias mais dinâmicas do mundo. O Brasil tem a chance de desfrutar de um padrão de renda maior, de um crescimento maior, em função disso¿, explica, embora justifique que o caminho até lá não será nada fácil.

Riscos ¿Há uma série de coisas que inibem a competitividade do produto nacional que não tem nada a ver com o que acontece no chão da fábrica. Muita gente não consegue exportar, porque o governo não deixa. Tudo atrapalha, desde a estrada que não existe até a burocracia. A gente é que dá tiro no pé da gente mesmo. O nosso grande vilão somos nós mesmos¿, alerta Silber.

De olho na recuperação da economia norte-americana, outros especialistas miram problemas urgentes que, assim como as dificuldades pontuais de cada país emergente, podem travar a engrenagem global. Frederico Turolla, da consultoria Pezco, acredita que as negociações dos Estados Unidos com a China sobre a valorização do iuan serão frutíferas. ¿Se a moeda chinesa mudar de patamar, aí sim, uma nova ordem global acontecerá e o impacto maior será nos preços dos bens de consumo e commodities¿, resume.

Bolsa no radar » Dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostram que o fluxo mundial dos investimentos estrangeiros diretos ¿ na produção ¿ gira em torno de US$ 1,1 trilhão, enquanto o de aplicações em ações fica próximo a US$ 2 trilhões. Levantamento da consultoria Pezco indica que no Brasil essa regra segue proporção semelhante. Entre janeiro e novembro de 2010, o fluxo de capital produtivo somava US$ 27 bilhões, ao passo que o do mercado financeiro, mais do que o dobro, ou US$ 64 bilhões.

Qualidade do dinheiro preocupa Vera Batista

Por trás da euforia que empurra o capital rumo aos países emergentes, está uma preocupação ¿ não desprezível ¿ que diz respeito à qualidade do dinheiro que bate à porta dessas nações. Se as torneiras de dólares e euros continuarão abertas indefinidamente, isso interessa ao mundo. Especialistas de várias áreas e países questionam a qualidade do recurso que entra e sai, em especial nesse momento em que o dólar perde valor em relação a quase todas as moedas ¿ incluindo o real. A grande questão é saber se o investimento turbina o setor produtivo ou serve apenas para encher os bolsos de quem aposta no mercado financeiro.

Marco Aurélio Freire, gestor dos fundos de renda fixa da Franklin Templeton, diz que mesmo recebendo 13% de todo o fluxo capital que se movimenta no mundo, abaixo apenas da China (20%), o Brasil ainda é o país dos especuladores. ¿E note que a fatia do investimento produtivo não se alterou. Em 2000, o país recebia 2,3% de tudo e continua no mesmo patamar, apesar de os emergentes estarem hoje em situação melhor¿, explica Freire. De 2001 a 2010, quando o saldo negativo era de aproximadamente US$ 10 bilhões (mandava mais dinheiro para fora do que recebia), ficou positivo em torno de US$ 100 bilhões, mas o investimento estrangeiro direto (IED, que cria empregos) não acompanhou. Ficou no vermelho até 2004. Depois, saltou de US$ 5 bilhões, em 2005, para US$ 30 bilhões, em 2010. ¿Dos US$ 100 bilhões, US$ 35 bilhões vão para ações e US$ 27 bilhões, para fundos de renda fixa ou títulos do governo¿, completa o analista.

Madeleine J. Blankenstein, sócia de Assuntos Internacionais da Grant Thornton Brasil, adverte que o país precisa criar uma estrutura fiscal mais simples e desburocratizada. É o que desejam os empresários, que em 2011 registram índices recorde de confiança e otimismo. Na América Latina, apenas os empreendedores chilenos estão mais empolgados com o que o ano lhes reserva. ¿O Brasil perde porque o vizinho é mais organizado e amigável¿, resume Madeleine. No país, completa a executiva, entraves burocráticos tornam difícil o simples ato de abrir ou fechar uma empresa. ¿A metodologia é extremamente complexa. O estrangeiro não entende os cálculos¿, reforça.

Helcio Beninatto, presidente da GXS, fornecedor líder mundial de soluções de comércio eletrônico com 23 mil clientes no Brasil e 40 mil no mundo, diz que, como trabalha com equipamentos importados, além da pesada taxação, 70% do custo é com mão de obra. Os colegas da sede se irritam quando comparam os preços. Ao assumir a presidência da empresa, Beninatto soube que computadores recém-enviados dos Estados Unidos estavam retidos na alfândega. ¿Um grupo de americanos mandou tudo para cá, alegando que lá era muito mais barato, sem saber que, quando chegasse aqui, teria que pagar taxas e mais taxas. Deu uma confusão tremenda. Não conseguimos liberar. Devolvemos e ainda pagamos um preço alto pela bobagem¿, ironiza.

Eduardo Velho, economista-chefe da Corretora Prosper, destaca que o desafio é estimular a mão de obra especializada, para reduzir a pressão salarial, e avançar na discussão dos marcos regulatórios, a exemplo do que já foi feito nos principais setores de infraestrutura. ¿A Lei de Falências, por exemplo, já foi um avanço, porque tornou mais fácil a empresa recuperar seus investimentos. Mas a presidente Dilma ainda terá muitos obstáculos, como saneamento, Previdência, área tributária, jurídica e gastos públicos¿, acrescenta Velho.

Artigo Dilma e o desafio de plantar para o futuro O presidente Lula encerrou seu mandato de oito anos com popularidade e aprovação recordes. Dilma Rousseff assumiu a presidência da República com a confiança de 83% dos brasileiros de que fará um governo igual ou melhor do que seu antecessor no cargo. Tudo parece indicar que os caminhos estão livres para que o Brasil experimente nos próximos anos uma fase de crescimento econômico sem precedentes na história mais recente do país. Porém, há ainda muito trabalho a ser feito para que tal realidade se materialize nas próximas décadas.

É verdade que existem inúmeras razões para otimismo. Há apenas vinte anos, o Brasil tinha uma economia estagnada e carcomida por uma hiperinflação crônica sem precedentes em escala mundial. Éramos uma economia fechada ao exterior e com um crescimento baixíssimo da produtividade. Graças às reformas e à continuidade de políticas macroeconômicas responsáveis, o Brasil vem desfrutando de taxas mais altas de crescimento nos últimos anos, com uma economia estável e livre da desgraça inflacionária.

Contudo, permanecem desafios colossais para o país. Por um lado, carecemos de infraestrutura básica para sustentar o crescimento econômico nos próximos anos, sem o surgimento de gargalos indesejáveis. De outro, o Brasil sofre com o baixo nível de escolaridade de sua população, o que não apenas impede a redução mais rápida das desigualdades de renda, como também limita o crescimento da produtividade, fator essencial ao sucesso de uma economia no mundo globalizado de hoje.

Durante seu primeiro mandato, Lula mostrou alguma disposição de realizar reformas que plantam para o futuro. No Ministério da Fazenda, na gestão de Antonio Palocci, o então secretário de Política Econômica, Marcos Lisboa, liderou uma saudável discussão sobre a agenda de reformas necessárias à sustentabilidade do crescimento econômico, trabalho que rendeu frutos importantes principalmente na área do mercado de crédito. Lastimavelmente, com o ¿mensalão¿ e suas consequências, tal agenda foi abandonada e o governo Lula embarcou na tarefa mais fácil e agradável de colher os frutos das reformas passadas, sem se preocupar mais com a semeadura para o futuro.

A presidente Dilma não terá a mesma ¿vida mansa¿ de Lula. Os últimos anos de inação no campo das reformas e o abuso de medidas voluntaristas na gestão das políticas públicas aumentaram a defasagem entre o requerido e o existente quando se trata da infraestrutura física e do ambiente regulatório necessários à elevação da taxa de crescimento potencial da economia brasileira. Ao contrário, não é muito afirmar que, se nada for feito, a tendência dos próximos anos será de queda dessa taxa, assim que esgotados os efeitos das reformas implementadas no passado.

Assim, são muitos os desafios a serem enfrentados pela nova presidente. Em especial, o Brasil necessita da retomada de um programa de governo que tenha por objetivo plantar as fundações para o crescimento sustentado.

(*) Economista, ex-presidente do Banco Central e sócio da Consultoria Tendências.