Título: Juro maior nos EUA afetará emergente; dúvida é quanto
Autor: Assis Moreira De Davos, Suíça
Fonte: Valor Econômico, 27/01/2005, Especial, p. A9

A taxa de juros nos Estados Unidos vai continuar subindo, devendo afetar no segundo semestre o fluxo de capitais para os mercados emergentes, e o dólar tem potencial para se desvalorizar mais, entre 15% e 20%. A avaliação é de debatedores ontem no encontro anual da entidade Fórum Econômico Mundial, em Davos, com nuances sobre a dimensão do impacto em emergentes como o Brasil e a Turquia, destacados por seus bons fundamentos econômicos. A constatação geral foi de que a economia global pode repetir em 2005 o desempenho do ano passado, o melhor em trinta anos. Nos EUA, o consumo e os gastos com investimentos sustentam uma expansão vigorosa. No Japão, a segunda maior economia do planeta, é a demanda privada, e não estímulos fiscais, que garante o crescimento pela primeira vez em muitos anos. E mesmo a Europa, sempre atrás dos outros grandes, pode elevar o crescimento econômico no segundo semestre para 2%. Ao mesmo tempo, porém, os debatedores alertam que a economia global está mais frágil por causa do déficit de contas correntes (comercial e fiscal) nos EUA. Isso alimenta o temor generalizado de uma queda "desordenada" do dólar e de uma alta "traumático" das taxas de juros. Ou seja, há risco de que o ajuste não seja benigno, sem provocar crises. Para Stephen S. Roach, economista-chefe do banco de investimentos Morgan Stanley, reputado em Davos como um dos pessimistas de plantão, a economia global está nas mãos dessa "bomba-relógio" que é o consumidor americano. Ele lembra que a poupança pessoal nos Estados Unidos está próxima de zero. O consumidor americano compra qualquer coisa, se endivida sem parar e faz explodir o preço dos imóveis a tal ponto que desponta uma bolha imobiliária no país. Com o enorme consumo, as importações são 52% maiores que as exportações e vêm sobretudo da Ásia, que por sua vez compra dólares e mantém as taxas de juros baixas nos EUA. Na ausência de poupança, essa "doença nacional" obriga os EUA a importar US$ 2,6 bilhões por dia de capitais estrangeiros, que alimentam o gigantesco déficit em contas correntes americanos. Para Roach, a correção desse déficit não pode vir apenas da depreciação da moeda americana. Será necessário realmente aumentar os juros, de curto e de longo prazos, para frear o consumo. Para o economista do Morgan, a desvalorização do dólar até agora foi pouca. Ele acha necessária uma queda adicional de uns 15% para enfrentar o déficit de contas correntes. Fred Bergsten, ex-subsecretário de Tesouro americano, foi além em outro debate: se o orçamento que a administração Bush apresentará não indicar como vai derrubar o déficit, ha "enorme risco de grave crise do dólar". Para Bergsten, as "verdinhas" estão sobrevalorizadas 20% em relação às moedas dos principais parceiros comerciais americanos. Já o perigo de investidores externos acelerarem a diversificação de suas aplicações, saindo mais do dólar, é considerada uma possibilidade distante, pelo menos no caso da Ásia, avalia o economista japonês Takatoshi Ito. Ele estima também que a China dificilmente vai valorizar sua moeda, o yuan, em 2005, o que leva todas as outras moedas asiáticas a igualmente continuarem atreladas ao dólar. Jacob Frenkel, vice-presidente da seguradora American International Group, vê em todo caso sinais de esperança na emergência de novos centros de crescimento econômico, principalmente na China. "A música está mudando", disse. "Nada pode frear esse gigante", comentou o japonês Ito, lembrando que o próprio Japão cresceu 10% ao ano durante duas décadas. A platéia procurou saber qual o impacto de juros altos nos EUA para os emergentes. Stephen S. Roach, no seu estilo tradicional, acha que os juros vão deixar os emergentes "altamente vulneráveis". Disse que o Brasil é menos vulnerável do que no passado, "mas é ingênuo achar que o país não sofrerá as conseqüências". Já Frankel foi mais positivo. Acha que o Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA) tem credibilidade e por isso as taxas de juro de longo não têm subido, pois o mercado acredita que a inflação cairá. Se isso se mantiver, os emergentes não serão afetados. Segundo, os mercados distinguem entre a situação particular de cada país em desenvolvimento. Para ele, a boa noticia é que países como o Brasil estão fazendo o dever de casa, "senão, o mercado pune". Na mesma linha, estudo do Merryl Linch aponta que, nos primeiros meses do ano, os mercados emergentes devem continuar bem. E vê evidencias de que os mercados emergentes não mais são completamente dependentes dos altos níveis de liquidez global. Exemplifica que mesmo com os aumentos de juros fixados pelo Fed, os emergentes continuaram recebendo investimentos privados.