Título: Estratégia para 2010 marcará Congresso do PT
Autor: Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 24/08/2007, Especial, p. A16

Ruy Baron/Valor - 8/3/2006 Ricardo Berzoini: "Não podemos antecipar qual será nossa tática" No primeiro congresso desde sua chegada ao poder, o PT pautará os debates pelas alternativas de que dispõe para manter-se na Presidência. A sucessão de 2010 marcará o 3º Congresso Nacional petista que se inicia no próximo dia 31 em São Paulo. Onze dos 12 grupos participantes se unirão para evitar que o ex-Campo Majoritário volte a ser hegemônico no partido. A tendência, que fez 42% na última eleição interna, chega ao encontro com 51% dos delegados. O principal temor é que, vitoriosa a ala mais governista, a decisão sobre 2010 seja deixada nas mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que poderia vir a favorecer um aliado, como Ciro Gomes, do PSB. Paradoxalmente, a maioria das tendências acredita na reeleição do presidente do partido, Ricardo Berzoini, do ex- Campo Majoritário, hoje agrupado na tese "Construindo um Novo Brasil".

Com influência concentrada em São Paulo a tendência PT de Lutas e Massas, comandada pela família Tatto, levanta o "temor" sobre 2010: "Se o antigo Campo Majoritário sair fortalecido do Congresso, a chance de ceder a Lula em 2010 é bastante grande", disse Jilmar Tatto, um dos vice-presidentes do partido. Junto à tendência "Novo Rumo", que tem como um dos expoentes o ex-presidente do PT Rui Falcão, os grupos -ligados a Marta Suplicy -conseguiram diminuir a força do antigo Campo Majoritário em São Paulo. O Estado terá mais de um terço dos delegados do Congresso. "Se a decisão ficar nas mãos de Lula, ele pode ceder a pressões dos aliados, como Ciro Gomes, ou ao PMDB", disse Tatto.

Em diversas vezes, o presidente demonstrou sua intenção de fortalecer a aliança com partidos da base e sinalizou ao PT que considerasse um eventual apoio a Ciro. Entretanto, a idéia de Tatto sofre resistências dentro do partido. Dirigentes de diferentes tendências dizem que a candidatura própria é um consenso. Humberto Costa, integrante do antigo Campo Majoritário, rechaça a hipótese: "A candidatura própria é uma decisão do partido como um todo. Em outras ocasiões, Lula já foi voto vencido no PT", afirmou. Outras tendências apresentam argumentos semelhantes, como a Articulação de Esquerda, liderada por Valter Pomar. "O PT terá candidato e não será Lula o condutor. Existiu uma maioria que fazia o que o Lula queria, mas isso não existe mais", analisou.

Apesar de ser um tema debatido no partido, os dirigentes atentam que o tema "2010" não deverá aparecer formalmente no documento oficial que será votado no Congresso. "Não é o momento de dar publicidade a esse tema, ainda mais em uma resolução do Congresso. Não podemos antecipar qual será nossa tática", disse Berzoini. Informalmente, os dirigentes aprofundam a discussão sobre o sucessor de Lula. Mas as resoluções refletem essa preocupação de não registrar a antecipação do debate eleitoral e pouco foi definido sobre 2008 e 2010.

Uma exceção é o documento divulgado pelo grupo "Movimento PT", que tem como integrantes o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, e a deputada Maria do Rosário: candidatura própria é defendida de forma explicita. "Um dos argumentos que ajudam a manter a base aliada unida é a possibilidade de o próximo candidato ser indicado por um dos partidos que a compõe, por exceção do PT. Ainda que seja legítima essa aspiração (...) não cabe ao nosso partido a tarefa de (...) abrir mão da indicação do candidato", registra. "O PT, mesmo reconhecendo e respeitando a incontestável liderança do presidente Lula, deve se colocar como agente principal na condução do sucessório presidencial."

Da tendência mais à esquerda "Mensagem ao Partido", que agrega nomes como o do ministro Tarso Genro, os governadores Marcelo Déda e o prefeito Elói Pietá, não há como não ter candidato do PT na sucessão de Lula. "Foi o único partido que participou de todos os processos eleitorais, Temos um capital político inestimável. Seria irracional subestimá-lo", defende o secretário-geral, Joaquim Soriano.

Além da candidatura petista à presidência em 2010, as questões que devem gerar mais conflitos estão relacionadas ao funcionamento do PT. A duração do mandato dos dirigentes divide claramente o campo moderado dos demais. O grupo que comanda o partido defende o aumento do mandato de três para quatro anos. Já os outros campos querem a redução para dois anos. A antecipação da troca das direções partidárias, entretanto, parece ter um consenso. O mandato de Berzoini, assim como o dos demais dirigentes, está previsto até 2008, mas o próprio presidente do PT defende que haja nova eleição interna em novembro.

Caso a eleição seja antecipada, ele poderá ser o maior beneficiado, com a reeleição. Segundo integrantes da tendência, ele é o candidato natural e não haverá tempo hábil para construir nova candidatura. Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência, havia sido cogitado, desgastou-se com a polêmica do "top top" na crise do sistema aéreo e já declarou que não disputará. O presidente da agremiação tenta desconversar sobre a intenção de disputar a reeleição, mas nas entrelinhas fala: "Não fecho nenhuma porta. Tenho responsabilidade com o partido".

Do mesmo grupo, o presidente do diretório mineiro, Nilmário Miranda, reforça: "Política tem fila e devemos procurar quem é o primeiro da fila. Berzoini é o primeiro". . Na análise feita por dirigentes, seria uma boa oportunidade para Berzoini dar a "volta por cima", depois das acusações de compra de um dossiê contra os tucanos na eleição e o afastamento da coordenação da campanha de Lula. As tendências mais à esquerda elogiam aspectos da gestão de Berzoini, mas divulgam que terão candidatos para a disputa.

Outro tema que divide os grupos do PT é condução das finanças e a transparência dada aos gastos. Nas resoluções dos grupos à esquerda, a reivindicação é por mais transparência nas contas e maior distribuição de recursos entre os diretórios. Os grupos reivindicam também a própria tesouraria do PT, que hoje está com Paulo Ferreira, do ex-Campo Majoritário. A burocracia partidária e o pragmatismo eleitoral assumido pela direção são muito criticados. Berzoini contesta: "Depois da crise, estamos fazendo um esforço muito grande de dar a maior transparência possível às contas".

Os integrantes da tese moderada, com alguns citados nos escândalos de corrupção eleitoral, pretendem alterar o Estatuto para repassar responsabilidades aos diretórios e diminuir a responsabilidade da Direção Nacional. Eles querem que cada instância seja responsável pelo caixa e pelas dívidas contraídas, inclusive durante as eleições. O Estatuto deverá determinar a total separação das finanças do partido das contas das eleições. Outro item é a descentralização da distribuição dos recursos arrecadados com o dízimo e com o Fundo Partidário. Com o partido endividado e marcado pelo alto índice de inadimplentes, o grupo propõe que o mandatário de um cargo executivo seja responsável pela arrecadação do dízimo dos funcionários.

As propostas de mudança nas finanças partidárias refletem diretamente as denúncias sobre o suposto mensalão e o uso de caixa 2 na campanha eleitoral. Entretanto, pouco deve ser alterado, segundo os governistas, sobre a punição dos envolvidos. "Já temos uma comissão de ética, que teve uma condução eficaz", diz Berzoini. O ex- Campo Majoritário esbarra na abertura de investigação dos filiados e quer mudar as regras para escolher os "fiscais" do partido. Os integrantes dos conselhos fiscal e de ética não serão mais indicados pelas chapas, e sim escolhidos individualmente. Na crítica dos opositores, isso poderia dificultar as investigações. A proposta de criação de uma corregedoria para apuração de desvios éticos foi negada.

O grupo moderado deve também abafar as denúncias contra os petistas citados no escândalo do mensalão. "Isso é coisa risível. Nunca existiu mensalão", destacou Berzoini. Integrante da direção, Humberto Costa analisou que o tema é "coisa do passado". "Uma das motivações do Congresso é fazer o acerto de contas com o passado. Lula ganhou, o PT teve um desempenho razoável nas eleições e esse tema saiu da pauta. Agora temos que debater outros temas, como o PAC. A questão da crise não vai galvanizar o encontro".

O encontro será marcado, também, pelo desfecho do julgamento do Supremo Tribunal Federal. Desde o escândalo, só um dirigente foi punido: o então tesoureiro Delúbio Soares. Silvio Pereira, que era secretário-geral, desfiliou-se do PT. A denúncia cita também José Dirceu e José Genoíno, Luiz Gushiken, João Magno, João Paulo Cunha, Paulo Rocha e professor Luizinho. Se o resultado for positivo para os envolvidos, o congresso deve ungir integrantes como Dirceu.

A mudança no Estatuto, inclusive sobre como deve ser a punição dos integrantes, é um dos três grandes temas que serão debatidos e votados pelos delegados. Os grupos apresentaram 75 resoluções, dentro dos itens "O Brasil que Queremos", "PT: Concepção e funcionamento" e "Socialismo Petista". A resolução do que obtiver mais votos será a base da discussão e incorporará emendas pontuais. Dentro das propostas para o Brasil, os maiores grupos convergem na defesa do governo Lula e na abertura de uma Assembléia Constituinte exclusiva para a reforma política. As tendências de maior expressão também defendem reformas tributária, previdenciária, sindical, trabalhista e do judiciário. A política econômica já não recebe as mesmas críticas do primeiro governo Lula, mas gera atritos entre os grupos.

As teses mais dominantes são do ex- Campo Majoritário. Na análise sobre o país e o governo, economia é elogiada nos primeiros parágrafos da resolução, com destaque à diminuição da dívida, o superávit de R$ 120 bilhões e os juros "em rota francamente descendente". O grupo baseia suas propostas no que está descrito no programa eleitoral de Lula e ressalta vitrines do governo, como o Prouni, o Luz para Todos e a geração de empregos. Enfraquecido desde a última eleição direta, a tese propõe hegemonia de um grupo no PT.

Em rota oposta, a "Articulação de Esquerda", liderada pelo dirigente Valter Pomar, faz críticas diretas ao modelo econômico e até a uma das bandeiras do governo na área educacional, o Prouni (fortalece os 'tubarões' do ensino privado). Mas o dirigente reconhece que o documento a ser aprovado no final terá um tom ameno. "Esse é o congresso de um partido que está no governo. O estilo de crítica das resoluções tem de ser diferente do que era antes."

Também à esquerda, a "Mensagem ao Partido", liderada por Tarso Genro, defende a transição do modelo econômico e discute a dificuldade de comunicação com a classe média. No "centro", o "Movimento PT" elogia a estabilidade mas diz que o desafio é superar as ações do primeiro mandato. O grupo rejeita a independência do Banco Central e critica as agências reguladoras.

No socialismo, as maiores divergências devem vir dos grupos menos expressivos e mais radicais. Os documentos aprovados pelo partido representarão o pensamento do PT para os próximos anos e servirão de base para a elaboração do próximo programa presidencial.