Título: Se fizer lição de casa, O Brasil será imbatível
Autor: Pacelli, Màrcio
Fonte: Correio Braziliense, 09/01/2011, Economia, p. 17

O Diagnóstico traçado pelo economista-chefe do Bradesco exibe um país que caminha a passos largos para o Primeiro Mundo Chegou a hora desse país bronzeado mostrar o seu valor. Mesmo que o cenário mundial indique a recuperação das economias ricas, os emergentes, liderados pelo Brasil, despontarão como os principais motores na nova engrenagem global. Depois de 16 anos de boa condução macroeconômica, o país experimenta um padrão de crescimento invejável, especialmente sob o aspecto da sustentabilidade. Conta com uma indústria e uma pauta exportadora diversificadas ¿ 63% das vendas externas vão para países que sustentam o crescimento do planeta. Tudo isso segue respaldado por um mercado interno fabuloso e ainda com um enorme potencial para se expandir, diz o economista-chefe do Bradesco, Octavio de Barros. ¿Não tenho dúvidas de que os avanços vieram para ficar e que eles serão aprofundados nos próximos anos¿, sustenta.

Responsável por traçar os cenários econômicos para o segundo maior banco privado do país, Barros considera que o Brasil está muito bem posicionado no contexto internacional. ¿Somos os maiores produtores e exportadores mundiais em vários setores e, em breve, também nos destacaremos na produção de petróleo.¿ A seu ver, são descabidas as críticas sobre os riscos de desindustrialização brasileira em razão da invasão de importados. Ele lembra que a questão cambial ¿ o real está entre as moedas mais valorizadas do mundo ¿ tem duas faces: uma que aumenta a concorrência e realmente atinge a produção nacional, e outra que traz máquinas e equipamentos para as linhas de montagem e ajuda no combate das pressões inflacionárias de uma economia aquecida.

O real supervalorizado também não deixa de ser um sinal do inequívoco sucesso da economia brasileira, uma realidade que só mudará se outros países melhorarem seus fundamentos e dividirem essa posição com o Brasil. Diante disso, Barros não vê outra alternativa senão o país fazer a lição de casa exigida às grandes potências: reduzir custos de produção, eliminar barreiras na infraestrutura, apostar na inovação e melhorar o ambiente de negócios ¿ reformas que começam a ganhar um forte consenso. ¿Nada mais poderoso do que uma ideia cujo momento tenha chegado¿, diz economista, numa citação literal do escritor francês Victor Hugo. Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Barros ao Correio.

As economias desenvolvidas estão perdendo a atração para o capital. Estagnado, o mundo rico já não decide sozinho o futuro do planeta. Como o Brasil pode tirar proveito dessa nova ordem mundial? Desde meados dos anos 2000, estamos diante de transformações estruturais a favor dos países emergentes. Além da inegável melhora de fundamentos macroeconômicos, houve amadurecimento institucional, a despeito dos retrocessos democráticos em algumas nações, e avanços sociais. Tudo isso tem se materializado em aumento da participação do PIB (Produto Interno Bruto) dos emergentes na economia global. Hoje, representam mais da metade do PIB mundial medido por paridade do poder de compra (PPP). A crise global não interrompeu esse processo. Muito pelo contrário, o fortaleceu à medida que os emergentes revelaram maior resiliência e capacidade de superação do que os desenvolvidos. Pelo menos nos próximos três anos, deveremos observar um crescimento relativamente fraco dos países desenvolvidos, em um contexto de forte ajuste fiscal e mercado de trabalho ainda deprimido. Nos países emergentes, por outro lado, o crescimento continuará robusto. E isso ocorre não somente porque o comércio entre eles tem aumentado, amortecendo os impactos dos problemas que ocorrem nos desenvolvidos, mas também porque a demanda doméstica tem se expandido.

Então, esse cenário favorece o país? Sem dúvida, todo esse cenário tem sido favorável para o Brasil. A redução da volatilidade macroeconômica nos últimos 16 anos propiciou aumento do potencial de crescimento. Temos uma indústria que, apesar dos problemas, é diversificada, inovadora e está se internacionalizando. A nossa pauta exportadora é diversificada em termos de destino, nos deixando menos vulneráveis aos problemas das nações mais ricas. Cerca de 63% das nossas exportações vão para emergentes. Somos os maiores produtores e exportadores mundiais em vários produtos e, em breve, também nos destacaremos na produção de petróleo. Estamos bem posicionados, tanto em termos absolutos quanto em termos relativos, já que o mundo apresenta hoje poucas opções de retorno para os investimentos.

O país está preparado para chegar ao posto de potência nos próximos anos? Terá voz ativa nos organismos multilaterais? Em vários aspectos, o Brasil já vem conquistando um espaço condizente com o tamanho de sua economia e do seu potencial. Na América do Sul, o nosso crescimento puxa a expansão dos outros países. Entre os Brics (acrônimo de Brasil, Rússia, Índia e China), somos os que têm instituições mais transparentes, mercado financeiro mais sofisticado e maior mobilidade social, o que representa, em última instância, potencial de ampliação do mercado consumidor. No FMI (Fundo Monetário Internacional), passamos da condição de tomadores assíduos de recursos para credores. Todos esses aspectos apontam para um ganho de participação também nos fóruns internacionais de decisão, como o G-20. Isso já tem ocorrido.

No cenário interno, a desconcentração econômica ¿ com o Nordeste ganhando destaque ¿ e a ascensão social dos mais pobres mudaram a cara do país. Essa alteração veio para ficar? Não tenho quaisquer dúvidas de que essas alterações vieram para ficar e que serão aprofundadas nos próximos anos. Segundo as nossas estimativas, desde 2004 cerca de 48 milhões de brasileiros ingressaram nas classes A, B e C. Esse contingente equivale a mais do que a população de países como Argentina ou Polônia e mesmo a da Espanha. Fatores que têm impulsionado essa mobilidade, tais como a formalização do emprego, os ganhos de renda real, a rede de proteção social e o crescimento econômico mais sustentável do que o verificado nas últimas décadas continuarão em curso. Há várias décadas, a teoria econômica tem enfatizado que o maior incentivo aos investimentos é a confiança empresarial em relação ao seu mercado consumidor. Assim, esse processo também tem impactos positivos sobre os investimentos e a busca por inovação, ganhos de produtividade e queda de preços. Possibilita, portanto, retroalimentar o círculo virtuoso que se cria.

Os fluxos de capitas estimulam a valorização das moedas dos países emergentes. Mas investimento produtivo resulta em crescimento. O que é preciso para atrair esse tipo de investidor e seguir saudável? Como já se sabe, não existe economia forte com moeda fraca. A valorização do real é fruto da melhora de fundamentos macroeconômicos e institucionais. Tudo que é bom valoriza o real e o Brasil ainda é o darling dos mercados. Apesar de inúmeros problemas e obstáculos ao setor produtivo, o país se destaca como fonte de ganhos para as empresas. Não é por outro motivo que o Brasil figura entre as cinco economias mais atrativas ao investimento direito estrangeiro. Temos visto uma atração generalizada dessa natureza do agronegócio ao comércio, passando pela indústria petroquímica e pelo setor imobiliário. Não me lembro de ter assistido a um ciclo de investimentos tão difuso quanto o atual. Se fizermos as lições de casa que ainda precisam ser feitas, que passa por uma agenda microeconômica que melhore o ambiente de negócios, o custo de produção será menor e o potencial de crescimento, maior.

Mas a burocracia ainda é monstruosa. O governo Dilma Rousseff fará a lição de casa? Chegamos a um momento em que já não é mais possível postergar algumas coisas. Estamos falando de um cenário global bastante competitivo, no qual as empresas internacionais aumentarão a presença em mercados mais dinâmicos; de um patamar de câmbio estável nos próximos trimestres; e de um juro real ainda elevado, apesar da tendência de queda esperada para os próximos anos. Assim, temos urgência na busca por maior eficiência, o que passa por uma burocracia mais ágil e guiada por critérios técnicos e na qual a meritocracia predomine. Acho que algumas ideias começam a ganhar forte consenso no Brasil. Lembro sempre a frase espetacular do Victor Hugo, grande escritor francês: ¿Nada mais poderoso do que uma ideia cujo momento tenha chegado¿.

Muito se fala do risco da desindustrialização por causa das desvantagens provocadas pelo real supervalorizado. O senhor concorda com essa tese? Discordo veementemente da tese de desindustrialização no Brasil associada ao definhamento da indústria nacional. O que temos é um processo de reestruturação no tecido industrial, que tem gerado custos, inclusive em termos de produção e emprego. Na nova ordem econômica mundial, na qual a China invade os mercados com seus produtos muito mais baratos, aumenta a necessidade de adaptação, que pode ser dolorosa e abrupta para muitos. Deveremos observar empresas e talvez até setores desaparecerem, mas não a indústria brasileira, que se fortalece no agregado. Não dá para falar em desindustrialização deletéria em um país com a escala de produção como a nossa, dada pelo tamanho do mercado consumidor. Além disso, a indústria brasileira, como um todo, mantém-se dinâmica, completa, complexa, competitiva e cada vez mais inserida no cenário global, ainda que os últimos dados conjunturais apontem para alguma estagnação.

A estagnação tende a se reverter? Essa situação deve ser revertida, à medida que a demanda continuar crescendo e quando as empresas se adaptarem ao atual patamar de câmbio. A esse propósito, cabe destacar que o câmbio é uma moeda de duas faces. Se, por um lado, aumenta a concorrência com importados e reduz a rentabilidade exportadora, por outro, permite trazer máquinas e equipamentos importados mais baratos e contribui para combater as pressões inflacionárias de uma economia aquecida. Vejo a valorização do real, que reflete a melhora de fundamentos, como um fator que explicita outros problemas do setor produtivo, tais como a complexidade tributária, a infraestrutura deficitária e a falta de mão de obra qualificada. Para o Brasil, o real forte abre uma oportunidade para avançarmos em reformas estruturais que aumentem a eficiência frente a um cenário de competição externa bastante acirrada.