Título: Abertura tem filas, marcha e Manu Chao
Autor: Sérgio Bueno
Fonte: Valor Econômico, 27/01/2005, Internacional/Especial, p. A8

Entrar no clima da 5ª edição do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, foi um exercício de paciência para os 130 mil militantes de todas as causas. Filas intermináveis para se inscrever nas mais de 2 mil atividades de uma agenda-gigante que contempla da defesa à diversidade às iniciativas contra o capitalismo neoliberal. Mas o limite da tolerância era físico, datado e com foco dirigido apenas à organização do evento. Logo pela manhã, bastava ingressar na Usina do Gasômetro para ouvir o Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel defender uma campanha mundial pelo cancelamento imediato das dívidas dos países atingidos pelo tsunami. À tarde, na tradicional marcha dos participantes que abre os trabalhos do fórum, as palavras de ordem gritavam o fim das reformas do governo do PT. Hoje pela manhã, enquanto o presidente Lula estiver discursando sobre ações contra a pobreza, no estádio de esportes Gigantinho, ativistas do Greenpeace prometem circular com cinco bonecos - os "Lulinhas Nucleares" - num protesto contra o que o grupo ambientalista chama de "aventura nuclear brasileira". Circular pelo chamado Território Mundial é ver e ouvir de perto um pouco de tudo o que se imagina fazer parte do ideário alternativo, em um tempo de poucas utopias. É um caldeirão de idéias originais e criativas, ingênuas e sofisticadas, tudo junto e simultâneo. Em salas de hotéis, representantes de ONGs vindos de todas as partes se confraternizavam e preparavam as agendas para o início dos trabalhos. Integrantes da Fundação Heinrich Boell, ligada ao Partido Verde alemão, chegaram da Índia, do Nepal, do Caribe, da América Latina e iniciavam discussões que vão de células-tronco à luta contra a discriminação dos dalits na Índia. No Guaíba, o "Barco da Diversidade" zarpava enfeitado com adesivos e faixas de bocas de mulheres. A bordo, integrantes de diferentes grupos, redes e movimentos feministas. "É preciso continuar lutando pelo respeito às mulheres na sociedade civil", diz a freira e militante de movimentos de cidadania Ivone Gebara. No acampamento da Juventude, centenas de barracas se misturam a grandes ocas feitas de barro, madeira e grama. Há quem sente em pedras à noite para discutir o calendário maia ou deite em camas feitas de feno -- hoje um luxo para poucos em hotéis dos Alpes. "Venho atrás do pensamento atual, por isso estou aqui. Quero ver o mundo em todas as áreas, sem preconceitos", diz a astróloga Lydia Vainer. Em barracas feitas de bambu e materiais reciclados, estampa-se e vende-se de tudo, preferencialmente em tons de vermelho e negro, e com mensagens ideológicas que combinem com o clima dominante. Camisetas do fórum no melhor estilo eu-estive-lá a outras de Che Guevara, o ícone eterno de todos os revolucionários e também de todas as barraquinhas de broches e camisetas. Che está em todas as versões, com ou sem frases célebres. Karl Marx também ressurge. Na barraquinha do baiano Humberto Jesus da Silva, filiado e militante do PT, a popularidade do presidente Lula está em baixa. Até as 16h de ontem Silva havia vendido apenas duas camisetas com a imagem sorridente de Lula, o hit do Fórum de 2003, e nenhuma do PT. "Lula vendia mais que o Che", diz o militante, desconsolado. Por ali, a música também é democrática. Tem repentistas, batidas de hip-hop, som de flautas andinas. Ontem à noite, ao fim da marcha, os ânimos acompanhavam ritmos europeus, latinos, asiáticos enquanto aguardavam o grande nome do fim do dia, o cantor e compositor franco-espanhol Manu Chao.