Título: Procurador e advogados enfrentam-se no STF
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 23/08/2007, Política, p. A5

O Supremo Tribunal Federal (STF) ouviu, ontem, versões completamente distintas sobre o mensalão e terá de processá-las na discussão sobre a abertura ou não de ação penal contra os 40 indiciados que será feita entre hoje e amanhã. De um lado, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, descreveu as práticas dos mensaleiros como um verdadeiro "submundo do crime", com pagamentos em hotéis, bancas de jornal, uso de carro forte, de doleiros e remessas de dinheiro para fora do país. De outro, os advogados dos mensaleiros questionaram cada ponto da denúncia, sob a alegação de que o procurador fez ilações gerais sobre a existência do mensalão, mas não indicou provas concretas contra os seus clientes.

Antonio Fernando descreveu em detalhes como funcionava a "organização criminosa" do mensalão: a agência SMP&B, de Marcos Valério, separava quantias em dinheiro, identificando que era para pagamento de fornecedores. Em seguida, expedia oficio para o Banco Rural, presidido por Kátia Rabello, e a sede deste banco em Belo Horizonte autorizava o saque na boca do caixa em Brasília, feito por deputados ou por seus emissários. "Por acaso os parlamentares eram fornecedores da SMP&B? Com certeza não", ironizou o procurador.

Segundo o procurador-geral, tão logo teve início a organização criminosa, Valério tornou-se interlocutor privilegiado junto ao PT e ao governo federal. "Ele adquiriu status em razão de serviços criminosos prestados por sua quadrilha." Valério obteve conta de publicidade da Câmara dos Deputados e fez a campanha à Presidência daquela Casa para o petista João Paulo Cunha, lembrou o procurador. "Na verdade, passou a existir estreito relacionamento entre ambos."

Em seguida, Antonio Fernando ligou o escândalo ao governo e à direção do PT. "Não é possível que tal esquema tenha ocorrido sem o conhecimento de membros do governo." Ele ressaltou que o então ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu exercia intensa influência política no governo e no PT. "Ele tinha ciência de todos os passos do núcleo central organização criminosa." O procurador citou reunião na Casa Civil entre Dirceu, Valério, o então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e a diretoria do banco BMG - instituição que teria sido utilizada para repasses no esquema. "Que interesse une tão diferentes personagens?", perguntou ele. "Eles disseram que tratavam de amenidades e análises políticas. Talvez, alguém acredite", ironizou. "Mas, o fato é que Valério tinha livre acesso perante Dirceu." O procurador citou ainda um jantar entre Valério e Dirceu no Hotel Ouro Minas, em agosto de 2004 e destacou que diante de uma demanda pessoal de Dirceu - pedido de emprego e de compra de apartamento por sua ex-mulher - "toda a organização criminosa se mobilizou".

Segundo o procurador, Delúbio era "o principal interlocutor da quadrilha", que indicava quem deveria receber o repasse em qual valor e em que momento. Já o então presidente do PT, José Genoino, "negociava com integrantes dos partidos da base aliada oferecendo vantagem em troca votos".

Os advogados dos mensaleiros procuraram desconstruir item por item o suposto esquema.

O advogado de Dirceu, José Luis Oliveira Lima, chamou a denúncia de "peça de ficção". Disse que a denúncia imputou crime de corrupção à sigla PT, mas não individualizou as condutas e não comprovou os supostos ilícitos de Dirceu. "Quais os atos praticados pelo ex-ministro que o caracterizam como chefe de organização criminosa?" Para Lima, o procurador não apontou qual o ato ilícito na reunião de Dirceu com Valério e Delúbio nem teria mostrado qual o crime na compra de um apartamento pela ex-mulher de Dirceu.

O advogado do deputado José Genoíno, Luiz Fernando Pacheco, reclamou do fato de a denúncia ter dito que o então presidente do PT negociou o mensalão com deputados. "Com que deputados ele falou? Me diga um." O advogado de Delúbio, Arnaldo Malheiros Filho, afirmou que as associações partidárias não podem ser confundidas com organizações criminosas. "Não é possível dizer que o PT se formou para cometer crimes", disse Malheiros. "As associações são lícitas e não podem ser confundidas com quadrilha." Marcelo Leonardo, advogado de Valério, afirmou que a denúncia é genérica e, por isso, deveria ser rejeitada. Segundo ele, as acusações de formação de quadrilha e de lavagem de dinheiro se banalizaram no Brasil. "Qualquer movimentação financeira se tornou lavagem de dinheiro." Ele reclamou que a SMP&B emitiu cheques para a agência de Duda Mendonça e está sendo acusada de lavar dinheiro no exterior.

José Carlos Dias, advogado de Kátia Rabello, disse que não caberia ao Banco Rural "perquerir o que seria feito do dinheiro", se seria sacado para compra de apoio político ou não. Segundo ele, o banco foi transparente, identificando os autores dos saques e, por isso, acabou denunciado. "A presidente do Banco Rural tem a obrigação de saber quem é Genu?", perguntou, referindo-se a João Cláudio Genu, que fazia saques para o PP. Alberto Toron, advogado de João Paulo Cunha, contestou a alegação de que o deputado deu tratamento privilegiado a Valério na licitação que levou à escolha de sua agência para realização de campanha na Câmara. Antonio Fernando falou por pouco mais de uma hora. Já os advogados dos mensaleiros ocuparam o resto do dia e da noite - cerca de sete horas - e usaram praticamente todo este tempo para questionar o trabalho do procurador-geral. Visivelmente cansados, os ministros apenas ouviram ambos os lados e deverão iniciar hoje o debate sobre a abertura de ação penal.