Título: Renda estaciona e ajuda a desacelerar a economia
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 27/01/2005, Opinião, p. A10

Os dados de desemprego e rendimentos divulgados ontem pelo IBGE confirmam a desaceleração das atividades econômicas desde o início do último trimestre de 2004. Apesar de o crescimento da economia ter provavelmente ultrapassado os 5%, os resultados do nível de ocupação foram bons, porém modestos, e os de evolução da renda, medíocres. Esses números poderão piorar por algum tempo este ano, já que os efeitos da sequência da alta de juros, iniciada em setembro, ainda não se fizeram sentir plenamente. A taxa de desemprego recuou em dezembro passado para 9,6%, seu menor nível desde outubro de 2001, quando a nova série da Pesquisa Mensal do Emprego começou a ser feita. No ano, a média ficou em 11,5%, inferior aos 12,3% de 2003. O crescimento da população empregada foi de 3%. O avanço não foi maior devido à redução, trimestre a trimestre, do PIB em 2004. Os picos de expansão do PIB, basicamente no primeiro trimestre (7,5%) e no segundo (5,5%), tiveram um impacto pequeno na taxa de desemprego no mesmo período, porque as empresas ainda operavam com boa capacidade ociosa e retardaram as contratações à espera da confirmação de uma recuperação robusta. O emprego só reagiu a partir de maio, e encontrou um PIB já evoluindo a menor velocidade no terceiro trimestre (4,2%). A partir de setembro, preocupado com um superaquecimento da economia, o BC começou a elevar os juros e o PIB deve ter fechado o último trimestre com evolução de 2,4%. Além disso, a recuperação do emprego foi puxada pelas exportações e pelo agronegócio, que beneficiaram a criação de vagas no "interior dinâmico" do Rio, São Paulo, Paraná, Minas e Centro-Oeste, na definição de estudo da LCA Consultores, como informou o Valor em sua edição de ontem. Segundo a LCA, entre janeiro e novembro as vagas fora das regiões metropolitanas cresceram 9,7%, ante 5,6% nelas. A expectativa, agora, é que, com o menor crescimento das exportações e com o recuo da rentabilidade nos negócios do campo, a tarefa de criar empregos será assumida pelas indústrias voltadas para o mercado doméstico, cujas vendas não dependam preponderantemente da expansão do crédito, como a de alimentos e bebidas, vestuário, calçados e produtos farmacêuticos. A alta dos juros e o encarecimento progressivo do crediário devem limitar a expansão de setores que puxaram a oferta de vagas no ano passado, como material de transporte (aumento de 19% no emprego) e material elétrico e de comunicações (mais 13,1%). Essas previsões, porém, só se confirmarão se houver uma elevação do rendimento dos assalariados, o que ocorreu de forma mais tímida que o previsto em 2004. Apesar dos dissídios coletivos recuperarem pelo menos a inflação, e a maior parte dos ocorridos no segundo semestre estabelecer aumento real, o IBGE constatou que a renda do trabalhador em dezembro foi apenas 1,9% superior à do mesmo mês de 2003. No ano, houve uma queda de 1,8%, algo muito melhor do que os 12,3% de redução do ano anterior. Houve um achatamento salarial nas novas contratações, para a qual pesaram não só os trabalhadores temporários como o avanço de 4,7% no emprego da construção civil. A consequência é que a massa salarial evoluiu apenas 2,3% no ano passado. Apesar de variações mensais mais erráticas, a evolução da renda está apontando para baixo desde setembro e tende a seguir o ritmo da desaceleração do varejo e da indústria. Nada garante que a política ortodoxa do BC não possa jogar o crescimento da economia para abaixo dos 3,5% esperados para 2005, caso continue ampliando a dose dos juros. Essa, por enquanto, não é a expectativa dos empresários, segundo a Sondagem Conjuntural da Indústria, elaborada pela Fundação Getúlio Vargas. Nela predomina o cenário de uma acomodação temporária de uma trajetória de expansão. Pelo menos 37% das empresas esperam queda da produção no primeiro trimestre. Apesar disso, o saldo positivo entre empresas que pretendem contratar e as que pretendem demitir, de sete pontos percentuais, é a maior desde 1987. O uso da capacidade instalada em janeiro deste ano em relação a outubro passado recuou de 85,1% para 84,6%. O tombo foi maior no setor de bens de consumo, de 80,7% para 77,3%, que apresenta a maior ociosidade dentro da indústria de transformação. Sem uma reação mais consistente e permanente da renda, ainda incerta, dificilmente o crescimento da economia será sustentável.