Título: Hora de rever dívidas estaduais e municipais
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Fonte: Correio Braziliense, 09/01/2011, Opinião, p. 18

Ao mesmo tempo em que define cortes no Orçamento da União, o governo federal deve estar pronto para receber em Brasília uma romaria de prefeitos e governadores que, de pires na mão, não demorarão a apelar por algum alívio nas dívidas de estados e de municípios. Frequente no passado, a prática hibernou na última década, graças à renegociação que levou aos acordos de rolagem fechados entre 1997 e 2000, como preparação para a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), adotada no início do novo milênio. Com a penúria de volta, as reclamações se concentram no peso da correção prevista nos contratos.

Além dos juros altos (e com expectativa de crescimento) no país, os débitos das administrações estaduais e municipais com o poder central são corrigidos pelo Índice Geral de Preços ¿ Disponibilidade Interna (IGP-DI), calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), que subiu 11% em 2010. Isso equivale a quase o dobro da inflação oficial, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE, que ficou em 5,91%, maior alta dos últimos seis anos. É essa distorção a razão das críticas e dos apelos à revisão dos contratos. Até novembro, as dívidas batiam em R$ 337 bilhões, segundo cálculos do Tesouro Nacional.

A discussão é válida. Não se trata de moratória nem de anistia. E a saúde fiscal dos entes federativos é do interesse geral do país. A própria LRF ¿ em nome da qual a União assumiu as dívidas que os governos estaduais e prefeituras municipais mantinham sobretudo com instituições financeiras ¿ foi um marco na economia nacional e hoje é um dos principais pilares da sustentabilidade. Tão importante quanto combater o desperdício e melhorar a qualidade do gasto público é preservar a capacidade de pagamento do Estado. É essencial que os governantes estejam aptos a atender a população com serviços essenciais, como saúde, educação e segurança, e também possam investir em infraestrutura.

Hoje, estima-se que somente o aumento do salário mínimo para R$ 540, a formatação do piso salarial dos professores e o crescimento do número de crianças em idade escolar comprometerão até 40% das receitas da maioria dos estados do Nordeste. Na Paraíba, com 30% da renda comprometida por dívidas, e o restante com a folha de pessoal, até as aulas estão ameaçadas. No Centro-Oeste, os funcionários públicos de Goiás viraram o ano sem o salário de dezembro. Tocantins, por sua vez, terá de cortar 70% dos gastos com custeio e comissionados para se reequilibrar. Mas os três estados mais endividados do país estão no rico Sudeste: São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, pela ordem. O quarto é o Rio Grande do Sul.

Até a LRF, em 2000, bancos estaduais patrocinavam a gastança desmedida de governadores. A partir dela, e com a renegociação das dívidas pela União, o maior controle das finanças públicas permitiu que estados e municípios mais do que triplicassem o superavit primário, que em 10 anos passou de 0,2% do PIB para 0,67%. Em meados do ano passado, contudo, o presidente Lula usou medida provisória para abrir brecha a um maior endividamento das cidades-sede da Copa do Mundo de 2014. O que não se pode permitir é a volta do desequilíbrio ¿ possível pela via da irresponsabilidade, mas também pela da distorção do índice que corrige as dívidas com a União.