Título: PF vê patrimônio de Renan incompatível com seus gastos
Autor: Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 23/08/2007, Política, p. A6

O resultado da perícia feita pela Polícia Federal em documentos entregues pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), enfraqueceu os argumentos apresentados por ele até agora em sua defesa no processo do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Casa, que investiga se ele tinha recursos para arcar com pagamentos feitos à mãe de uma filha sua de três anos. Além de não comprovar a capacidade "econômico-financeira" do senador, a PF aponta inconsistências em sua evolução patrimonial. A perícia também conclui que há irregularidades em empréstimos que o senador diz ter feito em 2004 e 2005 de uma locadora de veículos - a Costa Dourada Veículos Ltda. - que pertence a Tito Uchôa, primo do senador.

Em nota lida no plenário, Renan disse que o laudo da PF "sustenta" as afirmações que tem feito desde o início deste "doloroso" processo. Hoje, ele presta novos esclarecimentos à comissão de inquérito formada por três relatores - Renato Casagrande (PSB-ES), Marisa Serrano (PSDB-MS) e Almeida Lima (PMDB-SE) -, às 18h, em reunião reservada. "O senador Renan tem muito a explicar, com base na perícia", disse Casagrande. Segundo ele, o laudo "colocou o senador em posição de fragilidade".

O presidente do conselho, Leomar Quintanilha (PMDB-TO), marcou a apresentação do relatório para o dia 30 de agosto. Como a expectativa é que o conselho conclua pela quebra de decoro parlamentar e aprove o pedido de cassação, a tática de Renan é apressar a votação no plenário, onde ele acredita ter chance de ser absolvido.

O presidente do Senado é investigado por ter usado um lobista da empreiteira Mendes Júnior, Cláudio Gontijo, como intermediário de pagamentos a Mônica Veloso, com quem tem uma filha de três anos fora do casamento. Representação do P-SOL levanta suspeita de que os recursos usados não eram do pemedebista. Segundo informações da jornalista, ela recebeu R$ 418 mil de Renan, no período de março de 2004 a 5 de agosto de 2007.

A PF diz que os documentos não comprovam capacidade "econômico-financeira" do pemedebista para arcar com os pagamentos feitos à jornalista. A perícia aponta incompatibilidade entre o patrimônio de Renan e sua renda declarada. A PF não conseguiu sequer comprovar as operações de venda de gado, apresentadas para justificar rendimentos.

"O mais grave (na perícia) é a incompatibilidade do patrimônio com os gastos. Vamos ver se ele consegue explicar", disse a relatora do PSDB. Marisa Serrano e Casagrande devem propor a perda do mandato, mas Almeida Lima afirma que "não vê nada que condene Renan" e vai pedir o arquivamento da representação.

Senadores consideraram grave os supostos empréstimos informados por Renan com a locadora de Tito Uchôa. Segundo a PF, trata-se, na verdade, de "dezenas de retiradas em espécie, periódicas, ocorridas nos primeiros meses dos anos de 2004 e 2005". Renan teria firmado, em 31 de agosto de 2005, contrato com a locadora para receber R$ 178,1 mil. Apresentou duas notas promissórias: uma no valor de R$ 214.895,67 e outra de R$ 294.563,68. Ele também teria recebido R$ 78,8 mil em 2004 - ano em que o contrato não tem assinaturas das partes. Chamou a atenção da PF o fato de a locadora ter recebido dinheiro público de órgãos do governo de Alagoas por meio de depósitos - e não por ordem bancária, que é o usual.

Segundo o usineiro João Lyra, Uchôa foi usado por Renan como intermediário na compra de rádios e jornais em Alagoas. O pemedebista nega. A denúncia gerou outra representação contra ele, proposta por DEM e PSDB. O PSOL é autor de duas representações: a que apura os pagamentos a Mônica Veloso e uma que investiga denúncia de favorecimento à cervejaria Schincariol.

Com a perícia, a PF teria de responder a 30 perguntas dos relatores. O laudo confirma autenticidade material de notas fiscais e Guias de Trânsito de Animais (GTAs), mas diz que as operações de venda de gado não podem ser comprovadas "de forma inequívoca" por "inconsistências dos documentos".

A quantidade de reses informadas é não confere com as declarações de vacinação, mas os recibos de venda de gado são compatíveis com os depósitos na conta bancária. As notas fiscais não refletem os depósitos bancários nos anos de 2003 e 2004.

Na nota, o senador lista afirmações suas confirmadas pelo laudo, que: os documentos contábeis são autênticos, possuía recursos para arcar com as despesas, o gado comercializado em sua fazenda foi e é vendido a preços de mercado, e o dinheiro produzido pelas vendas foi depositado em sua conta bancária. Segundo a perícia, a variação patrimonial apresentada por Renan é incompatível com os rendimentos declarados à Receita Federal no ano de 2005.