Título: Spread bancário e a Lei de Falências
Autor: José Fajardo e Marcelo M. da Fonseca
Fonte: Valor Econômico, 27/01/2005, Opinião, p. A10

A aprovação do texto da Lei de Falências deixa dúvidas quanto à redução do spread bancário, que seria consequência da promulgação da lei. As instituições financeiras sempre incluíram na formação dos custos dos empréstimos as perdas devidas à ineficiência da legislação de falências, porém, não se sabe qual será o impacto que esta terá na redução do spread bancário. Algo que não se analisa é o funcionamento da concessão de crédito de um banco e a determinação do juro embutido nele. Quando um banco estuda um empréstimo, enfrenta um problema de informação assimétrica sobre a qualidade creditícia do tomador do empréstimo. Caso ele possua uma boa solvência econômica, receberá oferta de empréstimo a uma taxa bem baixa, pois se tem certeza de que os juros e o principal serão recuperados. Se a solvência econômica for duvidosa, porém, o tomador do empréstimo receberá uma oferta com juro muito mais alto, que irá considerar a possibilidade do não cumprimento das obrigações contratadas. Em alguns casos, serão exigidas garantias, apesar de o banco não estar interessado na execução delas. A liquidez dessa garantia não terá um impacto tão expressivo, pois a hipótese da sua execução é a última coisa que um banco cogita. A Lei de Falências, como toda nova "tecnologia", precisa de pessoas capacitadas que possam operá-la. Quantos juízes estão preparados para executar essa lei? Quantas faculdades de direto no Brasil possuem cursos de direito bancário? Sem pessoas treinadas, a tecnologia terá um uso muito precário. Mesmo assim, a Lei de Falências certamente terá impacto positivo, mas teria relevância ainda maior se servisse de atrativo para o ingresso de novos agentes (instituições financeiras) no mercado. Como os países têm processos jurídicos diferentes para tratar de casos de falência, seria plausível que uma legislação mais "amigável" aos bancos, na qual suas garantias tivessem preferência sobre outros credores (governo, por exemplo), atraísse mais instituições financeiras para o Brasil. Nesse caso, os benefícios da lei seriam claros, a competição aumentaria e os juros tenderiam a cair. No entanto, esse mercado tem barreiras à entrada muito altas, e a experiência recente de desinvestimento de vários bancos estrangeiros no setor bancário nacional mostra que é pouco provável que haja aumento de competidores de peso nesse mercado. Outro ponto importante é que a lei só contempla os contratos com pessoas jurídicas, não havendo benefícios para as pessoas físicas. A questão crucial é aumentar a competição entre os agentes. Sem esse aumento, os benefícios da lei, por menores que sejam, servirão apenas para incrementar a renda dos bancos no sistema. O risco que um banco corre quando concede um empréstimo, ou seja, o risco de "default", é afetado por diversas variáveis que fazem parte do relacionamento entre a instituição financeira e a firma tomadora de recursos. Destacam-se a existência de garantias, endossos de terceiros (aval ou fianças bancárias) e as informações sobre a qualidade do devedor.

Se a lei atraísse mais instituições financeiras para o país, a competição aumentaria e os juros tenderiam a cair

Já a incerteza em relação ao estado e liquidez dos ativos remanescentes pode eliminar parte dos benefícios da nova legislação, se levarmos em consideração que, em função das características inerentes ao patrimônio das empresas brasileiras, os bancos podem entender que os valores econômicos a serem recuperados na fase de falência sejam desprezíveis, e que os custos da recuperação não sejam baixos. De qualquer forma, o aval costuma ser dos sócios das firmas, não sendo comum a oferta de aval de terceiros às micro e pequenas empresas. No Brasil, o compartilhamento de informações sobre o devedor está em fase de desenvolvimento (cadastro positivo, central de risco, portabilidade de cadastro). Mesmo assim, ainda não se observam grandes avanços na redução do spread bancário praticado no país. Não se sabe ao certo como os bancos formam as taxas de juros e qual o peso de cada uma das variáveis, mas a constatação de que a falência representa um total desequilíbrio financeiro de um empréstimo nos leva a crer que o impacto da nova lei poderá ser marginal. Sendo assim, seria mais eficiente se fossem pacificadas as discussões sobre valores controversos e incontroversos (desagregação do principal e juros) em disputas judiciais. Em muitos casos, existe o incentivo do devedor em ingressar em ações de questionamento de juros, que lhe garante um longo tempo sem desembolso de recursos, em função da morosidade da Justiça, afetando a rentabilidade dos bancos. Outra medida importante seria a imediata sustentação legal das Cédulas de Crédito Bancário, título executivo extrajudicial emitido por pessoa física ou jurídica em favor de instituição financeira. As cédulas representam dívida líquida certa e exigível, o que garante trâmite mais rápido em caso de disputa judicial. Os títulos poderiam inclusive dar lastro aos mercados de derivativos de crédito, servindo para conceder mais liquidez ao sistema bancário e diluição de riscos entre os agentes. Outro fator que dificulta a mensuração dos reais benefícios da lei é o ambiente em que ela é colocada em vigor, uma vez que a política monetária está em fase de aperto, com a taxa básica de juros em elevação. Como os bancos comerciais costumam responder aos aumentos na Selic com elevações mais do que proporcionais nas taxas de juros cobradas aos tomadores, fica a incerteza quanto aos repasses - nesse caso decréscimos - nas taxas cobradas às empresas. Cabe ao BC indicar como os bancos irão sinalizar a queda em meio a uma política monetária instável. Embora tenha se dado passo muito importante na direção de aumentar o crédito e reduzir os juros, vemos, pelos motivos acima, que o impacto será bem menor do que se pensa. Devemos ficar menos otimistas em relação ao impacto dessa Lei de Falências e seguir trabalhando as formas de aumentar a competitividade do setor e reduzir o poder de mercado dos bancos.