Título: Cigarro de palha eleva renda em Pitangui
Autor: Ivana Moreira
Fonte: Valor Econômico, 27/01/2005, Especial, p. A12

A campanha antitabagista conseguiu reduzir o consumo e estagnar a produção de cigarros de papel no Brasil. Mas não a de cigarros de palha. A despeito de toda a propaganda contra o fumo, a indústria do cigarro de palha - que surgiu no país há menos de sete anos - cresce num ritmo de 20% ao ano. Com o apelo de produto natural, menos nocivo à saúde, o fumo enrolado em palha de milho ganha adeptos especialmente entre os jovens das classes média e alta. "Virou moda entre os jovens", diz o empresário mineiro José Haroldo Vasconcelos, dono da maior indústria de cigarros de palha do país, a Souza Paiol. O empresário estima que estejam em funcionamento hoje no Brasil cerca de 200 fábricas do produto, incluídos nessa conta os pequenos fabricantes clandestinos. O setor emprega 40 mil pessoas. Vasconcelos tem catalogadas, em sua coleção de concorrentes da Souza Paiol, 482 marcas nacionais do produto. Foto: Kátia Lombardi/Valor

José Haroldo Vasconcelos, dono da Souza Paiol, maior empresa do segmento: faturamento de R$ 11 milhões e planos de iniciar as exportações para o mercado americano

O mineiro não é apenas dono da maior empresa do segmento. É também o pioneiro na industrialização da mercadoria. Nascido e criado em Pitangui, no interior de Minas, Vasconcelos acostumou-se desde cedo com o cigarro de palha, comum na região. Mas nunca teve habilidade para cortar o fumo-de-corda e enrolar os próprios cigarros na palha de milho. Para garantir o prazer de fumar, contratava os serviços de Maria José, uma senhora moradora da cidade. "Era preciso esconder, porque sempre tinha um amigo querendo roubar os meus cigarros já enrolados", diz ele. Em 1998, Maria José morreu e o empresário - que na época trabalhava com autopeças - ficou sem ter quem enrolasse seus cigarros. Foi daí que surgiu a idéia de abrir a Souza Paiol, um negócio no qual pouquíssimos acreditavam, mas que serviu de modelo para abertura de outras indústrias em pelo menos quatro Estados além de Minas (Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo e Goiás). "Resolvemos investir quando vimos o sucesso do Haroldo", diz a dona da DiPalha, Marta Fedato Bressan. A indústria, instalada em Londrina, no Paraná, entrou em operação no ano 2000. Marta e o marido trabalhavam com venda de fumo-de-corda quando a Souza Paiol surgiu no mercado. Hoje, a DiPalha, que produz as marcas DiPalha e Palheiros Tradição, está presente no país inteiro. A Yankee é outra empresa montada a reboque do sucesso da Souza Paiol. "Eles não dão conta sozinhos do mercado, tem espaço para outros e por isso entramos no negócio", explica o distribuidor Paulo Giovani. A marca produzida em Sete Lagoas, na região metropolitana de Belo Horizonte, foi lançada há dois anos e por enquanto só é vendida em Minas. "Cigarro de palha é coisa de caipira, nunca achei que fora da roça ia ter gente interessada em comprar", afirma o pai do dono da Souza Paiol, Genivaldo Vasconcelos. Genivaldo é testemunha do sucesso do negócio, que garante trabalho para 1.200 famílias de sete cidades da região de Pitangui. Toda sexta-feira é ele o encarregado de pagar a mão-de-obra dos enroladores de cigarro de palha. Cadastrados como prestadores de serviço da Souza Paiol, os trabalhadores recebem semanalmente material (palha, fumo e anel de silicone) e ganham R$ 12,00 por milheiro enrolado. Em média, cada um deles faz 1.000 cigarros por dia. Os mais habilidosos, e com maior disponibilidade de tempo para o trabalho, chegam a 2.200 por dia, o que garante uma renda de R$ 528,00 por mês. Para uma cidade como Pitangui, onde a maior parte da população trabalha pelos R$ 260,00 do salário mínimo, o cigarro de palha garante uma renda considerada muito boa. Muitos dos cadastrados são ex-funcionários de uma fábrica de tecidos que foi fechada na cidade, deixando 600 desempregados. Há também presidiários da cidade vizinha, Pompéu, que trabalham não só pelo dinheiro mas também por redução da pena. Donas-de-casa e aposentados, interessados em aumentar a renda familiar, são outros que fazem parte da lista de prestadores de serviço. "Esse trabalho garante o dinheiro para as minhas coisas", diz Júlia Faria Ramos, de 31 anos. Com dois filhos pequenos, ela não poderia trabalhar fora de casa, mesmo que fosse fácil encontrar emprego em Pitangui. Quarenta e um empregados da indústria são encarregados de cortar as pontas dos cigarros no mesmo tamanho e montar os maços, em caixas de 20. Atualmente, a Souza Paiol produz 600 mil maços por mês, o que dá um faturamento anual em torno de R$ 11 milhões. Mesmo assim, não consegue atender a todas as encomendas, que já chegam inclusive do exterior. "Tivemos um pedido para a China, mas para atender teríamos de dobrar a capacidade atual de produção", explica José Haroldo Vasconcelos. Segundo ele, o obstáculo é a matéria-prima. Falta palha de qualidade na região de Pitangui. Para produzir os cigarros, que precisam de uma palha fina, a indústria compra matéria-prima de quatro palheiros do município de Sales de Oliveira, no interior de São Paulo. Em parceria com a Secretaria de Agricultura de Minas Gerais e a Prefeitura de Pitangui, o empresário tenta colocar em prática um plano de incentivo ao cultivo de milho apropriado na região. A expectativa é que o projeto comece a dar resultados em 2006. "Se tiver a palha aqui da região, posso começar a pensar em exportação", revela o empresário. Seu plano é começar vendendo para os Estados Unidos, onde brasileiros adeptos do fumo enrolado artesanalmente já se encarregam da propaganda boca-a-boca. O fumo não será problema, já que o Brasil está entre os maiores produtores do mundo. Com fartura da matéria-prima, o segredo de cada marca é a procedência do produto que utiliza. O da Souza Paiol é uma mistura de fumos de três cidades mineiras: Várzea da Palma, Moeda e La Sarças. Na DiPalha, de Londrina, a produção de 70 mil maços por mês também não é suficiente para atender os pedidos. Lá, a dificuldade para expandir é mão-de-obra. "Não é qualquer um que lida bem com a palha e enrola bem um cigarro", explica a proprietária. "E precisamos de qualidade." Para prestar esse serviço às indústrias, os candidatos passam por seleção de habilidade manual e treinamento. Tanto quanto as indústrias de cigarros convencionais, as de cigarros de palha são obrigadas pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) a imprimir nas embalagens dos maços informes sobre os malefícios do fumo. A campanha, no entanto, não prejudica as vendas. "O cigarro de palha faz menos mal à saúde do que o de papel, que contém produtos químicos, incluindo pólvora", diz o dono da Souza Paiol. Os consumidores parecem apostar nisso, a julgar pelo que indicam os números. As marcas de cigarro de palha dividem espaço com cigarros convencionais e charutos nas tabacarias finas e também em bares, lanchonetes e padarias. Vasconcelos diz que o produto já começa a incomodar algumas indústrias de cigarros de papel que proibiram seus distribuidores de trabalhar também com os de palha. Segundo o empresário, isso obriga as indústrias do produto artesanal a criar os próprios canais de distribuição. Ao contrário do que acreditam alguns consumidores, a Souza Paiol não tem qualquer relação com a indústria de cigarros Souza Cruz. O nome da marca de palha, garante o dono, foi inspirada no Souza do sobrenome do cunhado, que foi sócio da fábrica no início das operações. A indústria mineira tem hoje 78 distribuidores exclusivos espalhados em todos os Estados. São Paulo responde por 37% das vendas, superando Minas Gerais, onde o produto é parte do folclore regional. Minas fica com 25% das vendas. Mas é o crescimento no Rio de Janeiro que mais surpreende o empresário mineiro. "É comum fazer sucesso em Estados de tradição agrícola, mas não esperava tanto sucesso com os jovens do Rio." O maço do cigarro de palha é vendido no mercado por preços que variam entre R$ 2,50 e R$ 4,80. Em Pitangui compra-se por R$ 1,50. Boa parte do custo é carga tributária. Os impostos cobrados no cigarro de palha são os mesmos do de papel. Só de Imposto sobre Produto Industrializado (IPI), são 41,25%. A carga tributária total chega a 70%. Considerado o fundador da indústria de cigarro de palha no país, José Haroldo Vasconcelos tem esperança de ver o produto artesanal enquadrado em outra categoria tributária. E diz que já há articulação com deputados federais de Minas Gerais para que um projeto de lei seja apresentado no Congresso. "É preciso considerar o número de postos de trabalho que a indústria do cigarro de palha cria e estimular a produção", diz.