Título: Interesses conflitantes de governistas entravam reforma
Autor: Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 23/08/2007, Política, p. A10

Os impasses na aprovação da reforma política não estão somente no Legislativo, mas também no Executivo. Dificilmente uma alteração ampla e consistente, que mexa nos interesses dos parlamentares, será aprovada por eles no Congresso. O presidente da República poderia alavancar o processo, mas também não lidera o processo porque está comprometido com os interesses de sua coligação. Diante do entrave, as propostas de mudança não saem do papel.

Os conflitos da reforma foram um dos temas do debate sobre o tema realizado ontem em São Paulo pelo Instituto de Estudos Avançados da USP, a Associação nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) e a Associação de Magistrados Brasileiros. O cenário descrito por cientistas sociais é de total ceticismo. A curto prazo, não há perspectiva de aprovação de uma reforma profunda. Não há vontade política dos parlamentares, tampouco do presidente. Não há também forte pressão social. O que ganha força é a insatisfação.

Os cientistas sociais reforçaram a tese de que o poder, no Brasil, está muito concentrado nas mãos do presidente da República e que assim, a pressão para a aprovação da reforma poderia vir do Executivo. "O presidente deveria alavancar esse processo", defendeu o presidente da associação de magistrados, Rodrigo Collaço. "Seria uma resposta ao descrédito e uma forma de ele fortalecer seu mandato".

Na análise feita pelo professor Brasílio Sallum Jr., da USP, o grande entrave é enfrentar o jogo de interesses dos parlamentares, partidos e do presidente. "O sistema está organizado para ser conduzido pelo presidente e ele não está preocupado com a aprovação da reforma política. Ele não tem interesse de romper a coalizão propondo a reforma." A professora Maria D'Alva Kinzo, do departamento de Ciência Política da USP, apresentou argumento semelhante "É um impasse. Seria preciso um presidente desvinculado de interesses políticos para propor novos mecanismos. Hoje ele não decide sozinho".

O protagonismo do presidente na reforma esbarra nas alianças dentro da Câmara e do Senado, necessárias para a aprovação dos projetos do Executivo. A capacidade do governo é restrita, caracterizada pelo "velho traço do governismo", na troca de favores. Nas análises expostas pelos cientistas sociais, o presidente prefere seguir os interesses de sua base aliada a forçar a aprovação de um projeto polêmico, com grande resistência no Parlamento. E enfrenta a resistência de parte da oposição.

Para Renato Lessa, professor do Iuperj, "o cenário parlamentar tem pouco incentivo para fazer as mudanças, porque foi eleito por essas mesmas regras vigentes". "Esse é um dos limites da auto-reforma", disse. O professor livre-docente da universidade Leôncio Martins Rodrigues, durante o debate, reforçou os impasses existentes no Congresso e nos partidos. "Muito se fala sobre a reforma política. Mas combinamos isso com os políticos? Nenhuma mudança profunda que afete os políticos será aprovada", afirmou. Rodrigues sugere que as propostas sejam mais modestas e exeqüíveis. "Quando os políticos não tem mais o que fazer, falam de reforma política."

Uma solução, de acordo com Gildo Marçal Brandão, professor da USP, dirigente da Anpocs e coordenador do debate, seria escolher apenas "dois ou três pontos" da reforma e centrar os esforços na aprovação. Ou ainda aprovar o fim do foro privilegiado, como defendeu Renato Lessa. Sem votar esse ponto, "qualquer reforma seria esterilizada".

A academia brasileira já foi mais otimista em relação à aprovação das mudanças no sistema político. No período seguinte à redemocratização até meados dos anos 90, a reforma política era amplamente defendida pelos intelectuais. O tema está longe de ser um consenso, e hoje, ganharam espaço os cientistas sociais que defendem o atual sistema político - com os progressos dos últimos anos e mudanças importantes, a exemplo da instituição da reeleição. Ou ainda os que colocam em xeque os impactos da reforma, como Maria D'Alva Kinzo. ""Ninguém tem clareza sobre o futuro do sistema política caso a reforma seja aprovada", concluiu. A falta de otimismo sobre o combate à corrupção e do fim do governismo entretanto, é o que mais ganhou defensores.