Título: Parcelamento de débitos beneficia o calote crônico
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 23/08/2007, Opinião, p. A14

Tornou-se um fato quase tão recorrente quanto o aumento seguro e contínuo da carga tributária do país a ação de governo para facilitar a vida de quem escapa dos impostos da forma mais fácil possível - não pagando. Desde 2000, já foram criados o Programa de Recuperação Fiscal (Refis), o Parcelamento Especial (Paes, em 2003) e o Programa de Parcelamento Excepcional (Paex), com um equívoco já no próprio nome, além de inúmeros e sucessivos programas estaduais de parcelamento de débitos. Não há dúvidas de que o parcelamento beneficia empresas e contribuintes de boa-fé, que por problemas conjunturais se viram em situação financeira adversa. Eles, infelizmente, são minoria. Os responsáveis pela maior parte das dívidas não apenas usam os Refis para escapar de punições fiscais e legais, como são renitentes caloteiros, que por motivos quase inexplicáveis vivem tendo acolhida do Congresso e de várias entidades representativas dos empresários.

Não há dúvidas de que é o cumprimento religioso das obrigações fiscais por pessoas físicas e jurídicas que permite que o governo possa abrir mão de receitas e criar o parcelamento dos débitos para os maus pagadores. Ao fazer isso constantemente, o Congresso e o Executivo não só se desmoralizam perante os bons pagadores, como tornam ainda mais insuportável a elevação constante da carga de impostos que pesa sobre contribuintes pontuais. Um balanço parcial dos esquemas oficiais de ajuda a devedores publicado pelo Valor (20 de agosto) mostra o que já se sabia - seus resultados são modestos em termos de arrecadação. Por outro lado, são a bóia de salvação para que grandes devedores paguem pouco no início, até que obtenham as certidões negativas de débito e depois deixem de recolher até mesmo as pequenas prestações mensais a perder de vista que devem.

O exemplo do Refis 3 (Paex) é ilustrativo dos demais. Os débitos das 247 mil empresas que aderiram a ele em setembro do ano passado correspondiam a R$ 22,36 bilhões, sendo que execuções fiscais no valor de R$ 11,33 bilhões foram suspensas porque as empresas-alvo aderiram ao parcelamento, segundo a coordenadora geral dos Grandes Devedores da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, Marciane Martins. Um pouco mais da metade do total das execuções, R$ 5,8 bilhões, estava concentrada em apenas 79 devedores. O programa completa agora um ano e, desse grupo de grandes devedores, cinco pagam prestações altas (cerca de R$ 1 milhão por mês), quatro deixaram de pagar e o restante desembolsa o mínimo permitido, de R$ 2 mil.

Em todos os programas de refinanciamento, as receitas cresceram no início e definharam logo em seguida. Todos eles tiveram adesão de mais de 200 mil empresas, que depois desistiram da idéia e dos pagamentos. No Refis permaneceram apenas 20.307 companhias e no Paes, 79.697. A prova de que a abertura de novas chances para quem abandonou os programas anteriores - uma justificativa constante dos projetos no Congresso - não funciona é dada não só pelo número de desistências, como também pela migração das dívidas, que não são pagas pela maioria em todos eles. "Quase todos os grandes devedores que optaram pelo Paex já tinham sido excluídos do Refis e do Paes", diz Lúcia Martins, procuradora da Fazenda. No Refis, 652 grandes devedores eram responsáveis por 76% do valor total dos débitos, de R$ 44,3 bilhões. No Paes, são 435 devedores com 51% do total, ou R$ 32 bilhões.

Os números mostram que tanto da parte dos bons contribuintes quanto na Procuradoria da Fazenda há um consenso sobre os efeitos dos parcelamentos de débitos. "Eles atrapalham a recuperação de créditos tributários, desestimulam quem paga corretamente e incentivam a inadimplência", resume Marciane.

Em um momento em que o país bate recorde de arrecadação, um novo equilíbrio fiscal é necessário. Seria vital uma desoneração gradual dos impostos, que naturalmente diminuiria o número de empresas inadimplentes com o Fisco e reduziria os pretextos para socorrê-las mais à frente. E haveria um motivo a mais para obrigar o Fisco a ser justo e implacável com os caloteiros contumazes, que até agora foram praticamente premiados por sua conduta.