Título: Grupos disputam comitê que vai emitir as normas contábeis
Autor: Talita Moreira
Fonte: Valor Econômico, 27/01/2005, Empresas &, p. B2
Uma disputa pelo poder de elaborar normas contábeis emperrou novamente o andamento, na Câmara dos Deputados, do projeto de lei que estabelece novas regras para a divulgação das demonstrações financeiras. A maior divergência, agora, recai sobre a criação de um comitê emissor de pronunciamentos sobre contabilidade e auditoria - inspirado em órgãos como o Federal Accounting Standards Board (Fasb) americano. O comitê seria formado por representantes da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), empresas, auditores, contadores, analistas e universidades. Mas a briga pelo controle detonou uma onda de pressões de grupos envolvidos. De um lado, está o Conselho Federal de Contabilidade (CFC), regulador da profissão de contador, que evoca para si a prerrogativa de emitir as normas. Do outro, figuram entidades como a Abrasca (associação das companhias abertas), auditores, analistas do mercado de capitais e professores ligados à Universidade de São Paulo (USP) - que defendem a implantação de um órgão independente e temem a concentração de poder no CFC. A criação do comitê está prevista no projeto 3.741, que estabelece novas regras para as demonstrações contábeis. O impasse travou o andamento do texto na Comissão de Finanças e Tributação, onde tem como relator o deputado Armando Monteiro (PTB-PE) - também presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI). O presidente do CFC, José Martonio Coelho, diz que o conselho tem dinheiro e qualificação para manter uma estrutura desse tipo. "Já temos uma comissão de estudos de normas contábeis desde 1981." A resistência do grupo ligado a Martonio levou os demais a reagir. "Tem de haver igualdade entre todos os participantes", afirma o presidente da Abrasca, Alfried Plöger. O professor de contabilidade da USP Eliseu Martins - que participou da elaboração das diretrizes do projeto, no início dos anos 90 - afirma que o modelo defendido pelo CFC é "ultrapassado". Monteiro tem preferido aguardar um consenso entre os envolvidos antes de tomar uma decisão no substitutivo ao projeto que levará para ser votado, segundo fontes ouvidas pelo Valor. O deputado não comenta o assunto, mas dá pistas sobre temas importantes sobre os quais já firmou posição. Ele diz que manterá o item que prevê a publicação de balanços pelas empresas de responsabilidade limitada. Trata-se de uma mudança histórica diante do lobby feito pela CNI contra esse artigo. "Quem é que não pode mudar de opinião diante de uma idéia que pareça pertinente?". Monteiro deve, porém, abrandar os critérios que definem uma companhia de grande porte: na proposta atual, são empresas com ativo superior a R$ 240 milhões ou receita bruta anual acima de R$ 300 milhões, que podem divulgar suas demonstrações via internet. O deputado não revela se manterá esse formato. "A internet é um instrumento, mas a imprensa oficial tem um papel a cumprir", diz. O parlamentar diz que seus objetivos são aumentar a transparência nas informações prestadas pelas empresas e "reduzir as assimetrias" que há nas exigências feitas às sociedades anônimas. "Precisamos assegurar melhores condições de governança corporativa." O relator já adiou sucessivas vezes a entrega, na comissão, de seu substitutivo ao projeto. A polêmica sobre o comitê é apontada como uma das principais causas para a demora. "As grandes aparas já foram retiradas. Resta saber como ficará a questão do comitê", afirma Roberto Teixeira da Costa, representante brasileiro no conselho curador do Conselho Internacional de Padrões Contábeis (Iasb). Duas alternativas estão na mesa para resolver o impasse. Uma delas é colocar o comitê debaixo da estrutura do CFC, desde que o conselho não tenha a palavra final. Outra proposta, defendida pelo auditor Antoninho Trevisan, dono da auditoria Trevisan, é usar a Academia Brasileira de Ciências Contábeis, presidida por ele. Hoje, somente a CVM e o Conselho Monetário Nacional emitem normas contábeis. Com o projeto, o órgão regulador do mercado poderá contratar uma entidade privada para definir princípios.