Título: Explode no Nordeste oferta de casas para estrangeiros
Autor: Mandl, Carolina e Cruz, Patrick
Fonte: Valor Econômico, 23/08/2007, Empresas, p. B2

José Ari Cardoso Ferreira, de 34 anos, mora em uma casa ampla, ainda cheirando a tinta fresca, de frente para a praia da Xepa, em São Miguel do Gostoso (RN), cidade a 100 km ao norte de Natal. Da varanda, onde faz as refeições com a família avistando o mar, ele vê também o bar onde trabalhava e morava com a esposa e as duas filhas, faz cerca de seis meses. Lá o nível de conforto era bastante diferente. Não havia nem quartos nem cama para dormir.

A virada na vida de Ferreira veio na carona de um movimento recente que acontece não só na pacata Gostoso, mas em todo o litoral nordestino: a intensa busca de terrenos para a construção de imóveis de segunda moradia voltados, principalmente, para o público estrangeiro.

Ferreira conhece muitos dos cerca de 9 mil gostosenses. Sabe quem tem boas terras. Assim, para cada um que pára em seu bar para pedir informações sobre áreas à venda, ele pode indicar um potencial vendedor. Enxergou uma oportunidade de negócio nisso e conseguiu mudar de rumo. Com a venda de 18 hectares para investidores portugueses, ergueu a nova e espaçosa casa.

Não existem dados oficiais sobre a quantidade de projetos imobiliários que está sendo desenvolvida no Nordeste, mas alguns números indicam o reforço em sua musculatura. Estimativa da Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Nordeste Brasileiro (Adit) indica que nos próximos oito anos serão comercializadas 80 mil casas para estrangeiros no Brasil, o que deve movimentar cerca de R$ 16 bilhões.

Por onde se passa nas praias do Nordeste, notam-se sinais desse movimento. Em Gostoso, só há asfalto na avenida principal. Celular, nem pensar. O sinal não chega. Telefone fixo é coisa rara. Mas, na estrada que dá acesso à cidade, só se encontram placas anunciando imóveis em inglês. São espanhóis, portugueses, noruegueses e também brasileiros que estão construindo condomínios nas praias.

Um dos maiores projetos do litoral é o Gran Golf Natal, incorporado pelo grupo espanhol Sánchez. A cerca de 20 km de Natal, os empreendedores querem construir 30 mil casas e oito complexos hoteleiros ao longo de dez anos. A expectativa é de que 80% das unidades fiquem com pessoas que não moram no Brasil. Cada uma das casas custará entre R$ 120 mil (50 m2) e R$ 600 mil (150 m2). "Na Europa, isso não sairia por menos que o dobro", afirma João Maria Medeiros, diretor comercial do grupo Sánchez no Brasil.

O preço dos imóveis no litoral nordestino deve ser um dos grandes atrativos para compensar a viagem Europa-Brasil. Com a costa européia já bastante tomada por empreendimentos, os imóveis atingiram preços que não cabem no bolso de muitos europeus. A saída tem sido buscar novos destinos. "O Brasil é o mercado para dois tipos de público: gente que tem dinheiro e quer um lugar diferente, inusitado, e gente que tem até 150 mil euros pra gastar", afirma Diogo Canteras, sócio da HVS Internacional.

É essa a aposta de outro grupo espanhol, o Nicolas Mateos, que irá construir um complexo com 10 mil casas em Touros, litoral norte potiguar. "A beleza das praias do Nordeste permite que a região se transforme numa nova Cancún. E ainda está tudo praticamente vazio", explica Quintin Moreno, diretor financeiro do Nicolas Mateos. As unidades vão custar entre ? 70 mil e ? 130 mil.

Outro ponto que atrai os europeus para as praias brasileiras é também o potencial de valorização dos imóveis. Por isso, muitos incorporadores estão se oferecendo para alugar as casas nos períodos em que seu dono não estiver no Brasil. Seria uma forma de o proprietário não empatar dinheiro e ainda lucrar com uma eventual valorização.

Um dos primeiros projetos feitos no Brasil para o público estrangeiro foi o Casas de Sauípe, no litoral baiano, da Odebrecht, com 116 casas. "Das casas já vendidas, 60% foram compradas por estrangeiros", diz Djean Cruz, diretor de incorporação da Odebrecht Empreendimentos Imobiliários. Os resultados animaram a empresa a ampliar o condomínio. O segundo residencial, o Quintas de Sauípe, terá 163 casas e aporte de R$ 140 milhões. Com 172 apartamentos e 10 bangalôs, o Golf Terraces receberá R$ 96 milhões em investimento.

Não são apenas os grandes empreendimentos que prosperam na região. Na localidade de Diogo, distante cinco quilômetros da Costa do Sauípe, José Nunes, ex-motorista de ônibus, soube fazer a vida com a avalanche de empreendimentos turísticos no litoral norte baiano. Seu restaurante, o Sombra da Mangueira, nasceu da guinada no pequeno negócio que sua esposa mantinha como vendedora de picolé - na verdade, um freezer com os picolés que abastecia apenas a meninada da vizinhança.

Hoje, a clientela com carro importado faz fila em sua porta. O que ainda não mudou foi o acesso ao vilarejo: em vez do asfalto, o Sombra da Mangueira ainda faz sombra à rua de terra nua.