Título: Vale suspende venda de minério a dois guseiros
Autor: Durão, Vera Saavedra
Fonte: Valor Econômico, 23/08/2007, Empresas, p. B9

A Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) anunciou ontem as primeiras suspensões de fornecimento de minério de ferro para guseiras da região Norte, suspeito de atuarem ilegalmente no negócio usando carvão de mata nativa e trabalho escravo. Cosipar e Usimar foram as primeiras empresas que terão seus contratos de suprimento de minério cortados pela Vale, a partir de 1º de setembro, porque foram autuadas pela Ibama e são alvo de ações civis públicas ajuizadas pelo órgão ambiental, conforme comunicado da mineradora ao mercado. "A medida poderá ser estendida a outras empresas se a Vale as julgar merecedoras do mesmo tratamento", disse ao Valor o diretor-executivo de ferrosos da mineradora, José Carlos Martins.

As duas fabricantes de ferro-gusa que terão seus contratos suspensos respondem por cerca de 700 a 800 mil toneladas de minério de ferro, pouco mais de 10% de um total de 6 milhões de toneladas do insumo fornecidas anualmente pela Vale a 18 empresas que integram o parque guseiro do Norte, abrangendo Pará e Maranhão. Estas guseiras produzem 5 milhões de toneladas/ano de ferro-gusa, tudo para exportação.

Deste total produzido, a empresa de gusa da Vale, a Ferro Gusa Carajás (FGC), responde por 300 mil toneladas/ano fabricados com carvão de mata plantada. A FGC era uma sociedade da Vale com a americana Nucor. A Vale queria se desfazer da FGC vendendo-a para a Nucor, mas a siderúrgica americana mudou de idéia e a Vale acabou comprando seus 22% na empresa por US$ 23 milhões, em março. Mas, como apurou o Valor, a Vale ainda pensa em sair do negócio.

Boa parte dos contratos de fornecimento de minério de ferro que a Vale tem com as guseiras locais expira em 2008, inclusive os da Cosipar e da Alumar. Estes contratos têm duração de cinco anos, pois foram assinados em 2003. O executivo da Vale disse que a área jurídica da companhia está avaliando as consequências para a mineradora da rescisão unilateral dos acordos de fornecimento.

Martins disse que a Vale não comunicou previamente à Associação das Siderúrgicas de Carajás (Asica), entidade que responde pelas guseiras da região Norte, sua decisão de cortar fornecimento de minério para Cosipar e Usimar. "Temos diálogo constante com a Asica sobre a necessidade do parque guseiro Norte se enquadrar dentro da legislação ambiental e trabalhista do país, numa tentativa de organizar esta atividade. Mas, nos reservamos o direito de tomar nossas próprias decisões."

O presidente da Asica, André Câncio, foi procurado para comentar a decisão da Vale, e falar sobre o impacto da medida nos negócios das empresas da região, mas não retornou a ligação. Câncio estava em Recife, em reunião na Queirós Galvão, grupo que tem também uma guseira no Pará.

Já a Cosipar soltou nota de esclarecimento informando que foi comunicada pela Vale da rescisão unilateral do contrato no final da tarde do dia 21 (terça-feira). No comunicado, a empresa informa que "não foi citada pela Justiça Federal em relação à ação civil pública do Ibama, mencionada em nota da CVRD". A Cosipar conclui a nota afirmando que está "regular perante os órgãos ambientais Federal e Estadual" e que "acredita num entendimento com a mineradora, com a qual mantém um relacionamento de 21 anos". O presidente da Usimar, Demétrio Ribeiro, também foi procurado, mas estava viajando.

O diretor da Vale explicou que a companhia decidiu pelos cortes, que já vinha anunciando desde abril, depois da ação cívil pública ajuizada pelo Ibama. "A Vale tem na sustentabilidade um pilar e por isso pretendia cortar os vínculos de fornecimento com essa cadeia produtiva que sabidamente atua à margem da legislação ambiental e trabalhista. Por isso, quando o Ibama entrou com a ação cívil pública nos deu condição jurídica para fazermos os cortes. A Vale não pactua com esta cadeia", afirmou o executivo. Ele disse que a Vale vem advertindo as guseiras há 3 anos.

Segundo Martins, as empresas continuam criando novos alto-fornos na região, mesmo sem terem de onde tirar carvão. "Por isso decidimos tomar atitude mais enérgica suspendendo entregas de minério de ferro para os que continuam derrubando floresta para fazer gusa. Também não forneceremos o produto para os novos alto-fornos, se as empresas não provarem de onde vem o carvão".

O coordenador de fiscalização do Ibama, Aristides Neto, elogiou a atitude da Vale do Rio Doce. "Acho uma ótima atitude, pois ajuda a moralizar a coisa. É o que a gente precisa, pois aquela é uma terra sem lei e sempre ter aliados para nortear a legalidade é bom", disse. Ele relatou que tanto a Cosipar, quanto a Usimar foram autuadas pelo Ibama por se abastecerem com carvão de mata nativa. A negociação de madeira irregular na região é muito grande, só numa operação o Ibama descobriu este ano 100 mil metros cúbicos de carvão de mata nativa, revelou.