Título: A participação especial em petróleo e gás
Autor: Pires, Paulo Valois
Fonte: Valor Econômico, 28/08/2007, Legislação e tributos, p. E2

Constituição Federal de 1988, em seu artigo 20, assegura aos Estados, ao Distrito Federal, aos municípios e aos órgãos da administração direta compensação financeira ou participação nos resultados da produção de petróleo e de gás natural no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva. O artigo 45 da Lei do Petróleo - a Lei nº 9.478, de 1997 - estabelece que o contrato de concessão, exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e de gás natural deverá dispor sobre o pagamento, pela concessionária, das chamadas participações governamentais, aí incluída a participação especial. Já o artigo 50 da mesma lei declara que a participação especial deverá ser calculada sobre a receita bruta da produção, em campos de grande volume ou rentabilidade, e sua cobrança estabelecida no contrato de concessão e no edital de licitação, e regulamentada por decreto presidencial.

Em 3 de agosto de 1998 foi publicado o Decreto nº 2.705 para regulamentar o cálculo e a forma de cobrança das participações governamentais nas atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural. O artigo 21 do "Decreto das Participações Governamentais" declara que a participação especial constitui compensação financeira extraordinária devida pelas concessionárias em campos de grande volume de produção ou de rentabilidade.

Em 13 de janeiro de 1999 a Agência Nacional do Petróleo (ANP) baixou a Portaria ANP nº 10, que estabeleceu o procedimento para cálculo, apuração e recolhimento da participação especial pelas concessionárias. A portaria detalhou os gastos a serem deduzidos da receita bruta da produção de petróleo e de gás natural para fins de apuração da participação especial, com base no artigo 50 da Lei do Petróleo, dentre os quais os royalties, os investimentos na exploração, os custos operacionais, a depreciação e os tributos.

Pelo exame da legislação em vigor, depreende-se que a participação especial tem as seguintes características: (1) o fato gerador é a produção de petróleo e gás natural de campos com grande volume de produção ou de grande rentabilidade; (2) a base de cálculo é a receita líquida da produção trimestral do campo, observadas as deduções previstas na regulamentação; (3) as alíquotas são progressivas e variam em função da localização, do número de anos da lavra e do volume da produção trimestral; (4) os contribuintes são as concessionárias de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e de gás natural; (5) o pagamento deverá ser realizado até o último dia útil do mês subseqüente ao fim de cada trimestre; (6) há destinação específica, pois os recursos provenientes da participação especial serão distribuídos pela Secretaria do Tesouro Nacional aos beneficiários listados na Lei do Petróleo e de acordo com os percentuais nela estabelecidos; (7) em relação às despesas com pesquisa e desenvolvimento, a concessionária está obrigada a realizá-las em um montante equivalente a 1% da receita bruta da produção do campo, caso a participação especial seja devida; e (8) quanto à fiscalização, sempre que julgar necessário a ANP poderá requerer da concessionária documentos que comprovem a veracidade do demonstrativo de apuração da participação especial.

-------------------------------------------------------------------------------- Talvez fosse interessante 'começar do início': pela aplicação dos recursos da participação especial em estudos e pesquisa --------------------------------------------------------------------------------

A atribuição de parte dos rendimentos em virtude da produção de petróleo e de gás natural ao Estado não é uma peculiaridade do regime jurídico brasileiro. A legislação adotada por alguns países produtores também reconhece que, em campos com grande volume de produção ou rentabilidade, os frutos do empreendimento petrolífero sejam divididos entre o operador e o Estado. Esse é, "mutatis mutandis", o caso da chamada "windfall profit tax" - a WPT, criada nos Estados Unidos da América no início da década de 80.

Ao contrário do que ocorre em outros países, houve quem sustentasse que a compensação financeira em virtude da produção de petróleo e de gás natural teria natureza tributária. Mas este entendimento não prosperou. Em 2001, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 228.800 do Distrito Federal, com base no voto do relator, ministro Sepúlveda Pertence, que os royalties pagos aos Estados pela produção de recursos extraídos do subsolo constituem receita originária, sob a forma de compensação financeira de caráter indenizatório, fato que forçosamente lhes retira a natureza tributária.

O montante recolhido a título de participação especial é expressivo e ficou em torno de R$ 8.840 bilhões, em 2005. A legislação atribui 50% dos recursos da participação especial à União e 40% e 10% aos Estados e municípios produtores, respectivamente. Dentro da parcela de recursos da União, há previsão de 40% ao Ministério de Minas e Energia, sendo 70% para financiamento de estudos e serviços de geologia e geofísica aplicados à prospecção de combustíveis fósseis a serem promovidos pela ANP; de 15% para o custeio dos estudos de planejamento da expansão do sistema energético; e de 15% para o financiamento de pesquisas, projetos, atividades e serviços de levantamento geológicos no território nacional. Mas, apesar desta destinação específica, o setor se ressente da ausência de aplicação dos recursos da participação especial nas atividades estabelecidas em lei. Ou seja: o que há, na verdade, é um verdadeiro desvio de finalidade com a alocação de grande parte dos recursos financeiros arrecadados com a participação especial para outras prioridades da administração pública.

Não resta dúvida de que esta situação está inserida em um conjunto de medidas de natureza diversa que têm por objetivo ou efeito privar a autonomia das agências reguladoras, retirando-lhes os mecanismos de repasse financeiro estabelecidos em lei para a consecução de suas atividades. Neste momento em que o governo busca alternativas para estimular as atividades exploratórias no setor de gás natural como forma de reduzir a dependência brasileira do gás boliviano, talvez fosse interessante "começar do início" - pelo investimento dos recursos da participação especial no financiamento de estudos e pesquisa geológica e geofísica nos termos da legislação em vigor.

Paulo Valois Pires é advogado e sócio do escritório Schmidt, Valois, Miranda, Ferreira & Agel - Advogados

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