Título: Clima de constrangimento domina o segundo dia
Autor: Juliano Basile, e Fernando Teixeira
Fonte: Valor Econômico, 24/08/2007, Política, p. A8

O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o segundo dia do julgamento do mensalão num clima de constrangimento por causa da revelação, pelo jornal "O Globo", do teor de conversas informais, por meio da internet, entre ministros da Corte. A troca de mensagens entre os ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia Antunes Rocha, registrada pelo fotógrafo Roberto Stuckert Filho, mostrou que existem outras questões em voga na Corte que ultrapassam a aceitação ou não da denúncia contra os 40 do mensalão. Essas questões são: a antecipação de aposentadoria pelo ministro Sepúlveda Pertence, às vésperas do julgamento, a nomeação de um substituto e como ficará o jogo de forças dentro do tribunal e deste com o governo após o julgamento de um caso com fortes implicações políticas, como o mensalão.

Um dos nomes mais cotados para ocupar a vaga de Pertence é do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Carlos Alberto Direito. Direito é próximo de Nelson Jobim, que custou a aceitar o convite do presidente Lula para assumir o Ministério da Defesa. Nos bastidores do STF circula a informação não confirmada de que o presidente teria se comprometido com a nomeação de Direito. A nomeação dele para o Supremo abriria espaço para o próximo presidente indicar um novo ministro para o STF em 2012, o que equilibraria as forças no tribunal, hoje composto majoritariamente por ministros nomeados por Lula. Mas, uma questão prática reduz a força dessa teoria de negociação política envolvendo a sucessão no STF. Direito completa 65 anos - idade limite para ser indicado ao STF - no dia 8 de setembro. Logo, teria que ser nomeado e aprovado pelo Senado antes desta data. Num dos e-mails, a ministra Cármen Lúcia diz que recebeu uma notícia do STJ de que os atos de aposentadoria de Pertence e de nomeação de um novo ministro sairiam juntos. Mas, nem ela, nem Lewandowski se referem a qualquer nome. Além de Direito, outros dois ministros do STJ são cotados para o STF: Luiz Fux e César Asfor Rocha.

Em seguida, Lewandowski diz a Cármen que ambos não estariam sendo vistos como "interlocutores de peso" na indicação desta nova vaga. A ministra responde: "Deveriam nos respeitar um pouco mais". E, depois, Cármen diz que o "cupido" (numa provável referência ao ministro Eros Grau) afirmou a ela que votará pelo não recebimento da denúncia do mensalão. Então, Lewandowski afirma: "Isso só corrobora que houve uma troca. Isso quer dizer que o resultado desse julgamento era realmente importante". Depois, Lewandowski diz: "Sabia que era importante, mas não que valia tanto", o que insinua participação do governo em negociações em torno do julgamento.

Eros Grau ficou bastante irritado com o episódio. "Nunca vi isso acontecer nesse tribunal", disse ele ao chegar ao STF. "Nem a imprensa entrar e interceptar correspondências, nem esse tipo de diálogo", completou. Perguntado se não aceitaria a denúncia, como a ministra Cármen disse ao colega na troca de mensagens, respondeu: "Perguntem ao ministro Lewandowski. Ele é que sabe tudo. Perguntem à Cármen Lúcia."

Advogados de mensaleiros discutiram, ontem, a possibilidade de a troca de e-mails ser utilizada no futuro para anular o processo, já que, nela, os ministros discutiram pontos de seus votos, antes de proferi-los. Mas, após a sessão, o relator do inquérito, ministro Joaquim Barbosa, disse ao Valor que a troca de pontos de vista entre os ministros é um procedimento normal. Segundo ele, essa prática "pode agilizar a votação" e seria, portanto, benéfica. O problema seria o fato de a conversa privada ter sido fotografada e divulgada em público. "É o preço que se paga pela abertura do tribunal", afirmou Barbosa, sobre o fato de o STF ter aberto o julgamento a fotógrafos.

O ministro Carlos Ayres Britto também afirmou que a troca de impressões é normal na Corte. "Não adiantamos voto nenhum. Às vezes, a sessão é muito demorada, tensa e nós trocamos impressões, mas aqui não existe arranjo, nem alinhamento", enfatizou Britto. O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, minimizou o episódio: "Isso é bobagem". Cármen Lúcia e Lewandowski não quiseram comentar.

A nomeação do substituto de Pertence levaria a um novo equilíbrio de forças no STF. Lula indicou seis dos atuais dez ministros. São: Cezar Peluso, Britto, Barbosa, Eros, Cármen e Lewandowski. Não se pode afirmar genericamente que eles votam favoravelmente ao governo, pois todos já manifestaram votos em sentido contrário em outros processos. Essa orientação geral pró-governo não é clara e costuma irritá-los quando suscitada.

No entanto, num momento da conversa pela Intranet, Cármen Lúcia diz a Lewandowski: "Temos ainda três anos de 'domínio possível do grupo'. Eros sairá em 2010. Lula indicará o seu sucessor. Depois, a ministra afirma: "Estamos com um problema na turma por causa do novo chefe". Ela provavelmente se referiu à 1ª Turma que, antes presidida por Pertence, agora ficará sob o comando de Marco Aurélio Mello. Ele é considerado alheio a qualquer negociação ou a conversa prévia a julgamentos e se desentendeu com o governo Lula desde o seu início, em 2003, ao criticar abertamente a reforma da Previdência.

A troca de e-mails de Cármen e Lewandowski - ambos nomeados por Lula - mostra que eles ainda tinham dúvidas em alguns pontos de seus votos. Num e-mail, Cármen pede a um de seus assessores cópia de voto proferido no dia 14 pelo ministro Cezar Peluso em que ele nega acusação de formação de quadrilha. Em outro, Lewandowski discute com um assessor se deveria alterar parte de seu voto no qual defenderia o não cabimento de crime de peculato para quem não é funcionário público. (JB)