Título: Primeiros votos no STF acatam denúncia
Autor: Juliano Basile, e Fernando Teixeira
Fonte: Valor Econômico, 24/08/2007, Política, p. A8

Alan Marques/Folha Imagem Barbosa avalia empréstimos: "São expedientes ardilosos usados pelos gestores para fazer operações de risco elevado" O relator do processo do Mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, aceitou a denúncia por gestão fraudulenta contra quatro executivos do Banco Rural por empréstimos irregulares às empresas do publicitário Marcos Valério e ao Partido dos Trabalhadores, que totalizaram R$ 292,6 milhões. Os ministros Cezar Peluso e Marco Aurélio Mello acompanharam a posição do relator e também aceitaram a denúncia, antes que a sessão fosse suspensa, pouco depois das 18h. A acusação contra os diretores do Rural foi o primeiro de seis pontos em que o ministro Joaquim Barbosa dividiu o processo. O julgamento será retomado, hoje, a partir das 10h e a previsão é que se estenda pelo menos até segunda-feira.

Segundo o relator, os empréstimos às empresas de Marcos Valério e ao PT chegaram a totalizar 10% da carteira do Banco Rural, contendo irregularidades que indicavam que o banco maquiava a avaliação de risco das operações de crédito e rolava empréstimos para continuar injetando dinheiro nos clientes que eram, principalmente, as empresas SMP&B, DNA e Grafitti, todas de Marco Valério. A denúncia do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, incrimina a presidente do Banco Rural à época, Kátia Rabello, e os executivos José Roberto Salgado, Vinícius Samarane, Ayanna Tenório Torres de Jesus, envolvidos nessas operações. Eles teriam aprovado a concessão de linhas de crédito. Se os demais ministros seguirem o voto do relator, será aberta ação penal no tribunal para apurar os crimes de gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e evasão de divisas contra os quatro.

Joaquim Barbosa baseou seu voto num relatório conduzido pelo Banco Central, que analisou as operações de crédito realizadas pelo Banco Rural e encontrou indícios de gestão temerária ou fraude. O BC concluiu pela notificação ao Ministério Público para apurar o caso. Para o relator do inquérito do mensalão, os executivos não avaliaram corretamente o risco dos empréstimos à SMP&B e ao PT. "São expedientes ardilosos usados pelos gestores para deliberadamente fazer operações de risco elevado", afirmou o ministro.

Um dos exemplos usados no relatório de Barbosa um empréstimo feito, em 1998, por R$ 9 milhões. Quatro anos depois, apenas R$ 2 milhões foram pagos, sem cobrir a amortização. Ainda assim, enfatizou Joaquim Barbosa, o banco renovou a linha de crédito nas mesmas condições e sem elevar a avaliação de risco.

Outra situação irregular apontada pelo ministro foi a abertura de uma linha de crédito no valor de R$ 19 milhões para a empresa DNA, sem garantias nem condições financeiras para fazer frente ao crédito. A DNA tinha, na época, faturamento anual de R$ 10 milhões e geração de caixa de R$ 2 milhões. Segundo os dados do BC utilizados pelo ministro, a exposição do Banco Rural à DNA aumentou de R$ 5 milhões para R$ 33 milhões em março de 2005. O Banco Rural, diz o relatório, também não teria utilizado os direitos creditórios dados como garantia nos empréstimos. Os dados de transferências apresentados pelo banco, referentes apenas ao 1º trimestre de 2005, seriam insuficientes para fazer frente à exposição de R$ 55 milhões das empresas do publicitário.

O ministro Cezar Peluso acompanhou o relator e acrescentou que o "rating" utilizado pelo Rural para os créditos foram avaliados em A ou AA, mas foram todos rebaixados pelo Banco Central para H. "Tudo com falta de pagamento, com falta de amortização e renegociações sucessivas", ressaltou Peluso. "A instituição gerou um resultado fictício, e tudo indica desvio de recursos do banco para as empresas. Ato doloso, não culposo, o que caracteriza fraude", completou. O ministro Marco Aurélio, apesar de apoiar o recebimento da denúncia, não quis afirmar de antemão se o comportamento dos executivos do Rural configura gestão fraudulenta ou apenas temerária.

Ontem, os ministros do STF também refutaram a tentativa de advogados dos mensaleiros de invalidar as provas apresentadas pelo Ministério Público para basear a acusação. Os ministros recusaram todas as questões preliminares levantadas pelos advogados. O único debate ocorreu em torno de dados de sigilo bancário que teriam sido solicitados pelo Ministério Público sem autorização judicial. O relator Joaquim Barbosa, contudo, ressaltou que essas provas também foram obtidas legalmente por meio da CPI dos Correios. Com isso, as provas foram aceitas.