Título: Planalto mantém-se blindado ao julgamento
Autor: Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 24/08/2007, Política, p. A9

Após dois dias de julgamento, o Palácio do Planalto mantém a blindagem em relação ao que acontece do outro lado da Praça dos Três Poderes. Nem mesmo o vazamento de e-mails trocados por dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) alterou esse comportamento, apesar de a conversa sugerir que o governo já trabalha a recomposição do Supremo, depois da antecipação do pedido de aposentadoria do ministro Sepúlveda Pertence. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva alegou que tinha muito trabalho para ficar acompanhando o julgamento.

Não só Lula, mas os principais auxiliares do presidente da República têm evitado comentar o julgamento do caso do mensalão pelo Supremo. O assunto nem sequer foi mencionado, por exemplo, na reunião de ontem do conselho político da coalizão de governo, que reúne os presidentes dos 11 partidos que integram a base de sustentação do governo. Esse é um assunto já considerado vencido para o Palácio do Planalto, que se esforça para não se contaminar com o que acontece do outro lado da rua. Os deputados relacionados entre os 40 também resolveram em reunião não comparecer ao julgamento, assim como o ex-ministro José Dirceu.

Os principais partidos envolvidos no escândalo do mensalão também procuram demonstrar indiferença em relação ao julgamento. A oposição, que entre 2005 e 2006 cogitou usar o caso do mensalão para pedir o impedimento do presidente, também se mantém comedida. A exceção ontem foi o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM). Para o tucano, o julgamento pode ser comprometido com a revelação das conversas entre os ministros. "Estamos diante de um escândalo (mensalão) e agora a votação fica sob suspeita", disse Arthur Virgílio.

O líder tucano refere-se à troca de mensagens entre os ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia, pela rede intranet do Supremo, durante o primeiro dia de julgamento, revelada ontem pelo jornal "O Globo". Além de consultas técnicas, os ministros comentam o que seria o voto do ministro Eros Grau, expõem uma divisão de grupos no STF e trocam impressões sobre a indicação do ministro do STJ Carlos Alberto Direito para vaga aberta com a aposentadoria de Pertence.

Virgílio considerou "constrangedora" a antecipação de votos - Cármen Lúcia indica que aceitaria a abertura de alguns processos e rejeitaria outros, além de informar que Grau recusaria todos - "e as articulações" para a indicação do substituto de Pertence. "Eles chegaram a expor essa pessoa (Direito) que supostamente seria indicada para a vaga de um ministro que tem um grande currículo", afirmou.

A apreensão do líder tucano não é exagerada. Entre os 40 acusados, ontem mesmo começou a ser discutida a hipótese de ser pedida a anulação do julgamento sob a alegação de antecipação de voto. Advogados que acompanham as sessões dizem que essa é uma possibilidade remota, mas real. Com longa militância no Supremo, esses advogados também avaliam que os ministros citados podem até mudar o voto.

O que se prevê, com a divulgação do diálogo, é um fechamento ainda maior do STF. Dos três Poderes, o Supremo é o menos exposto. Seus bastidores têm sido impenetráveis, apesar da relação quase sempre cordial dos ministros com a imprensa. Sabe-se da existência de grupos e da disputa intelectual entre seus integrantes, que muitas vezes se transforma numa disputa pessoal ferrenha.

O relator do mensalão, Joaquim Barbosa, em pouco tempo cultivou uma ampla área de atrito. Mas poucas vezes a disputa ficou tão exposta quanto na mensagem que Cármen Lúcia enviou a Lewndowski: "(...)Temos ainda três anos de 'domínio possível do grupo', estamos com problema na turma por causa do novo chefe, vai ficar (inelegível) e não apenas para mim e para v, principalmente para mim, mas também acho que para os outros". Cármen Lúcia referia-se a Marco Aurélio de Mello, novo chefe da 1ª Turma.

O nome do ministro do STJ Carlos Alberto Direito de fato está sendo considerado por Lula. A indicação teve o apoio do ex-presidente do STF e atual ministro da Defesa, Nelson Jobim. Uma das raras referências de Lula à recomposição do Supremo, ouvida recentemente por um interlocutor, é de arrependimento por não já ter feito a indicação do novo ministro para o Senado. Jobim, um dos patronos de Direito, reprovou a divulgação das mensagens entre os dois ministros, mas disse que o fato não compromete o julgamento do tribunal. "O Supremo tem absoluta independência. Agora, o que tem que ficar claro é que o respeito às instituições tem que ser mantido de forma absoluta".