Título: Eletrobrás deve a minoritários e cobre o buraco de federalizadas
Autor: Balarin, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 24/08/2007, Empresas, p. B1

A dívida da Eletrobrás com acionistas minoritários da companhia, detentores de ações ordinárias, chegou no fim de junho a R$ 7,87 bilhões - nada menos do que 29% do valor de mercado da companhia, segundo a cotação da ação na bolsa na quarta-feira. A dívida decorre de dividendos não-pagos em anos anteriores (décadas de 80 e 90), que, ano a ano, vêm sendo corrigidos pela taxa básica de juro do país, a Selic. Ao fim do ano, poderá chegar próximo a R$ 8,4 bilhões, se a Selic se mantiver no atual patamar.

A dívida vem atrapalhando o registro do formulário 20-F da companhia na Securities and Exchange Comission (SEC, a CVM norte-americana) porque o tratamento contábil nos Estados Unidos é diferente do adotado no Brasil. Também contribui para que a ação da companhia seja negociada com um desconto em relação a outras do setor. Apesar disso, a Eletrobrás - que responde por 38% da capacidade de geração e 57% das linhas de transmissão de energia do país -ainda não sabe como vai pagar a dívida ou quando. Na semana passada, em reunião com analistas em São Paulo, o diretor financeiro e de relações com investidores da companhia, Luiz Augusto Figueira, destacou que a dívida está registrada em balanço e que equacioná-la não é "um tratamento simples porque significaria a descapitalização da companhia em um momento de investimentos".

O argumento da Eletrobrás, porém, vem perdendo força à medida em que a companhia amplia os recursos aplicados nas chamadas federalizadas - companhias de distribuição de energia elétrica nos estados que foram colocadas no Programa Nacional de Desestatização (PND) e passaram à Eletrobrás. Quatro dessas empresas (Ceal, Cepisa, Ceron e Eletroacre) foram federalizadas em 1998, na gestão de Fernando Henrique Cardoso, com o objetivo de serem depois privatizadas. A Ceam, do Amazonas, foi incluída no PND no início deste ano.

"A distribuição de energia não é o foco da companhia e essas federalizadas têm problemas. Vão contaminar toda a Eletrobrás", afirma Arlindo Magno de Oliveira, conselheiro da Eletrobrás que representa os acionistas minoritários. Na última reunião do conselho de administração, em 31 de julho, Oliveira recorreu a dados obtidos na própria Eletrobrás para justificar por que votaria contra a concessão de um financiamento de longo prazo de R$ 113 milhões, com recursos próprios da Eletrobrás, à Ceam. Os números impressionam.

Segundo Oliveira, a Eletrobrás já utilizou um total de R$ 8,66 bilhões de recursos próprios nas federalizadas, sendo R$ 2,89 bilhões referentes ao custo de aquisição e R$ 5,77 bilhões em operações de mútuos, adiantamentos para futuros aumentos de capital, coberturas de déficits e investimentos. Os dados estão atualizados pela Selic até 31 de dezembro de 2006 e teriam sido obtidos por ele em relatório do comitê gestor das empresas federalizadas de distribuição. O analista Pedro Batista, do UBS Pactual, diz que, com os R$ 8 bilhões aportados pela Eletrobrás nas federalizadas (entre aquisição, empréstimos e investimentos), a holding estatal poderia ter construído uma usina de R$ 26 bilhões, o tamanho de um projeto como o do rio Madeira. No cálculo, ele considera que, em projetos desse porte, 30% são investidos com recursos próprios e 70%, financiados. "Há uma evidente má alocação de recursos. É um custo muito caro para a sociedade", diz Batista.

Em resposta por escrito ao Valor, a diretoria da Eletrobrás informou que as perdas com as federalizadas reconhecidas nas demonstrações contábeis são de R$ 3,1 bilhões e que, embora tenha sido determinado que para as aquisições dessas companhias fossem utilizados recursos de um fundo, o RGR (Reserva Global de Reversão), a lei não permitiu o uso do fundo no saneamento econômico-financeiro das companhias. No balanço de junho, todas as federalizadas fecharam com prejuízos que, somados, chegam a R$ 202,6 milhões.

A questão das federalizadas, porém, não se resume apenas aos dados financeiros. Há ainda um forte componente político. Uma das críticas de analistas e de minoritários é de que as distribuidoras continuam sob a influência de políticos dos Estados e que a Eletrobrás tem sérias dificuldades de cortar custos nessas empresas. "Os governadores continuam com poder político nas federalizadas. Elas não podem ficar na companhia. A Eletrobrás tem ações em bolsa, minoritários", afirma Emanuel Mendes Torres, diretor da Associação dos Empregados da Eletrobrás, entidade que é também uma acionista minoritária da companhia.

A separação ou alienação das federalizadas também é defendida por Oliveira, um dos sete conselheiros da Eletrobrás (também fazem parte do conselho de administração o ministro de Minas e Energia, Nelson Hubner, e o secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci). As ex-estaduais estão no PND e, pelos critérios do programa de desestatização, deveriam estar sendo preparadas para a privatização. Mas não há qualquer indicação de que isso será feito. O PND está sob a responsabilidade do Ministério do Planejamento, mas mesmo na Casa Civil, poucos sabem disso. A assessoria da ministra Dilma Rousseff chegou a passar a questão para o Ministério de Minas e Energia. Por escrito, a Eletrobrás informou que "a questão da privatização das empresas federais de distribuição é uma questão que compete exclusivamente ao governo federal".

Para o conselheiro Arlindo Magno de Oliveira, uma das grandes dificuldades da Eletrobrás hoje é a de encontrar seu foco. "A empresa, por exemplo, gerencia e administra fundos setoriais, que deveriam ser repassados ao BNDES, que já cuida do fundo da Marinha Mercante. E tem em carteira um volume imenso de ações de outras empresas", disse, comparando a holding a um avião que precisa levantar do chão. "É preciso que haja um piloto. É preciso que haja combustível." Desde o início do ano, a Eletrobrás é comandada por um presidente interino, Valter Cardeal, apoiado pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.

A carteira de ações a que se refere Oliveira também foi motivo de questionamento na reunião da Apimec (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais) realizada na semana passada em São Paulo. Cálculos indicam que as participações minoritárias da Eletrobrás em empresas como a Celpa, Cteep, Cemat, Celesc e outras podem chegar a R$ 14 bilhões (incluindo as que são listadas em bolsa e as que não são). A diretoria da Eletrobrás defende que essas participações fazem parte do foco da companhia e é altamente estratégica, já que o "planejamento da companhia sinaliza a expansão dos negócios em geração e transmissão". A empresa informou ainda que esses investimentos são avaliados periodicamente para que se decida por sua manutenção ou não em carteira. O Valor apurou, porém, que boa parte dessas ações foram dadas em garantia de ações judiciais.