Título: Marítima tenta receber US$ 2 bi da Petrobras
Autor: Schüffner, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 28/08/2007, Empresas, p. B5

Sem alarde, o empresário boliviano naturalizado brasileiro German Efromovich, dono da Marítima e sócio do estaleiro Mauá-Jurong, tentou fazer um acordo com a Petrobras para encerrar todas as pendências judiciais que tramitam em tribunais do Brasil e do exterior. Mas não teve sucesso. Pediu US$ 2 bilhões. O cálculo da indenização que a seu juízo lhe seria devida pela estatal considerava perdas e danos de US$ 9 bilhões. A Marítima se dizia disposta, assim, a abrir mão de US$ 7 bilhões para encerrar as discussões.

Procurada, a Petrobras disse que não falaria sobre o assunto e nem confirmou a informação. A assessoria de German Efromovich, por sua vez, disse que o empresário não faria comentários sobre ações em andamento na Justiça.

O histórico judicial envolvendo as duas empresas justifica a cautela. Enquanto contabiliza vitórias importantes na Inglaterra, onde empresas ligadas a Efromovich foram condenadas a pagar US$ 480 milhões à estatal referentes a processos envolvendo as plataformas P-36, P-38 e P-40, a Petrobras aguarda julgamento de recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal (STF) e de recurso especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ) referentes a sua decisão de cancelar contratos de plataformas de perfuração.

Os dois recursos nos tribunais superiores foram interpostos em outubro de 2004 para reverter decisões favoráveis à Marítima, em ação que esta movia contra a Petrobras. A disputa judicial refere-se ao cancelamento do contrato de quatro plataformas da série Ametista em 1999, logo que Philippe Reichstul assumiu a presidência da estatal. A justificativa da Petrobras na época foi que duas delas estavam com atraso superior a 210 dias e as demais não seriam entregues a tempo para cumprir o programa exploratório da companhia.

Curiosamente, quatro dessas plataformas marítimas hoje operam na exploração de petróleo em poços da Petrobras. Foram adquiridas pela Pride, ex-sócia da Marítima. Depois de trocar os nomes, as embarcações foram arrendadas à estatal. Ações em torno do cancelamento das "Ametistas" ainda aguardam julgamento, sem previsão.

Inicialmente, a Marítima queria aval judicial que corroborasse sua tese de que a estatal não poderia rescindir os contratos. Na 15ª Vara Cível, a Marítima obteve em 2002 sentença favorável do juiz Renato Ricardo Barbosa, que julgou procedente sua reclamação. A Petrobras recorreu ao Tribunal de Justiça. Ganhou, mas não houve unanimidade. O desembargador Rudi Loewenkron, entendeu que, se a Marítima teve prejuízos, teria de ser indenizada.

Novamente, a Petrobras recorreu, mas em fevereiro de 2004 a 9ª Câmara Cível deu nova sentença favorável à Marítima. A estatal então levou o assunto para o STF e o STJ e aguarda decisão.

No Tribunal de Comércio, em Londres, uma ação em torno do seguro da plataforma P-36 foi encerrada com ganho para a estatal. Trata-se da plataforma que afundou na bacia de Campos depois de um acidente com vítimas fatais. Envolvia a Petrobras, sua subsidiária Brasoil, a Marítima e a italiana Società Armamento Navi Appoggio S.p.A. (Sana). Nessa causa, as empresas ligadas a Efromovich pediam indenização de US$ 162,19 milhões. No final da ação, a Petrobras só teve que pagar em torno de US$ 9 milhões, acrescidos de juros à Sana e à Petromec (ligadas à Marítima).

O motivo foi uma divergência de interpretação em torno de uma cláusula do contrato original (de 1997) que indicava o modo de calcular o valor residual de afretamento a ser pago pela Petrobras, após o afundamento da plataforma. Ali, em decisão posterior, a corte determinou à Petromec que devolvesse a sua parcela dos US$ 9 milhões à Brasoil, a título de pagamento de uma dívida com a Petrobras em outro processo. Ainda há pleitos residuais da Sana e do Banco Den Norske Bank (DNB) nesta ação, que não chegam a US$ 1 milhão de dólares, valor ínfimo se comparado ao inicial.

Em outra ação, também em Londres, a Petromec cobrava US$ 58,44 milhões à Petrobras por obras na P-36, ou como alternativa, US$ 40,68 milhões por supostos danos causados pelo contrato. Mas não só perdeu como agora terá que pagar à Petrobras valores que, corrigidos, já somam US$ 131 milhões. O valor continua a crescer com a incidência de juros. A decisão desfavorável à Marítima foi confirmada pela corte de apelação e, portanto, não há possibilidade de recurso.

Após essa derrota, a Petromec começou a pleitear o recebimento de US$ 131,2 milhões (coincidentemente a mesma quantia devida hoje à estatal), a serem acrescidos de juros e outros custos financeiros, a título de custos adicionais e "upgrade" da mesma plataforma. O julgamento está marcado para abril de 2008.

O insucesso de Efromovich nos tribunais de Londres ainda não acabou. Em outra ação em curso, dessa vez liderada pela Petrobras, a estatal pede o ressarcimento de gastos nas plataformas P-38 e P-40 (construídas pela Marítima em Cingapura). Os valores foram desembolsados pela Brasoil diretamente a fornecedores subcontratados pelas empresas de Efromovich que deixaram de honrar os aportes necessários para conclusão das unidades por problemas financeiros. Evitando atrasar as obras, a estatal pagou aos fornecedores mediante "side letters" da Marítima garantindo o ressarcimento. Nessa ação, as rés são empresas ligadas à Marítima: FSO Construction Inc. (FCI) e FSO Engeneering, no caso da P-38, e FPSO Construction Inc. e FPSO Engeneering, no caso da P-40.

A Petrobras teve sucesso nas duas fases desse julgamento. As empresas da Marítima foram condenadas a pagar cerca de US$ 350 milhões, sendo US$ 113 milhões no caso da P-38 e US$ 236 milhões no caso da P-40, incluindo principal e juros desde a sentença, que é de junho deste ano (2007) e sem contar as custas que ainda não foram apuradas. Mas o curioso nessa ação é que as empresas abandonaram a causa depois de perderem na primeira fase do julgamento. Contudo, mesmo que os advogados da Marítima não apareçam mais para defender a empresa, a Petrobras tenta alcançar o bolso de Efromovich, que era quem financiava a defesa nos tribunais.

Outra ação nos Estados Unidos foi encerrada. A estatal tentava receber "performance bond" de uma companhia de seguros para cobrir perdas provocadas pelo atraso na entrega da plataforma P-37. O tribunal americano entendeu que caberia à justiça brasileira apreciar a questão. Agora, a Petrobras e sua subsidiária Brasoil, tentam, no Rio, Janeiro, receber US$ 40 milhões da Marítima Petróleo e Engenharia Ltda, das estrangeiras Modec Inc. e Marítima Overseas Inc. .

A Petrobras cobra o ressarcimento por pagamentos realizados diretamente a empresas subcontratadas e fornecedores dessas empresas, que se comprometeram a ressarcir a estatal. Como sempre, o início do problema se deveu a um estouro do orçamento. Para que a obra fosse concluída a Petrobras passou a pagar os custos diretamente, sem que o dinheiro passasse pelas mãos da Marítima. Esse processo ainda não tem decisão judicial proferida.

O relacionamento entre Petrobras e German Efromovich não tem sido amigável desde a saída de Joel Rennó da presidência, em 1999. O empresário chegou a pedir ajuda do senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Em 2004 o senador foi procurado por Efromovich para que intercedesse em seu favor. O objetivo, segundo Suplicy relatou ao então presidente da Petrobras, José Eduardo Dutra, foi para que o senador intercedesse "no sentido de haver um diálogo" entre a Marítima e a estatal. A informação consta da transcrição de uma audiência pública no Senado, dia 30 de junho de 2004.

Na época, Dutra informou a Suplicy que existiam contratos em litígio no exterior. Citou, entre outros, um "em que a Marítima deu como garantia cartas de bancos em paraísos fiscais, onde o patrimônio do banco era de US$ 50 mil". O ex-presidente da Petrobras respondeu, ainda, que "embora acompanhadas de um discurso de que se quer negociar, na verdade (as ações da Marítima) apontam para a continuação do litígio (...)". Como não era convidado para as licitações de novas plataformas, Efromovich passou a entrar com liminares judiciais para forçar sua participação nos contratos da Petrobras ou reclamar da estatal no Tribunal de Contas da União .

Hoje o empresário preside um grupo chamado Synergy Group, com sede em um paraíso fiscal, que controla a Marítima Petróleo e Engenharia, o estaleiro Ilha S/A (EISA), a Petrosynergy e o Mauá Jurong. No Jurong, há participação de 35% da Jurong Shipyard, de Cingapura.

Na última das ações de Efromovich , o Mauá-Jurong reclamava da escolha do consórcio Ultratec-Odebrecht para construção da plataforma PRA-1 sem que a estatal obedecesse à Lei das Licitações (8.666), mas sim adotando procedimentos de um decreto que permite licitações simplificados. No mês passado uma liminar da ministra Ellen Gracie, presidente do STJ, a favor dessa prática foi considerada uma vitória na Petrobras.