Título: Acordos incluem café, remédios e tempo livre
Autor: Salgado, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 28/08/2007, Brasil, p. A3
Café-da-manhã mais reforçado, desconto em medicamentos, folga para ir a reuniões de pais e mestres. Essas são conquistas recentes de algumas categorias de trabalhadores que também conseguiram aumentos reais nos seus acordos salariais. A estabilidade de preços, aliada à melhora no nível de emprego e ao maior crescimento econômico, tem encorajado sindicatos e trabalhadores a avançarem em suas reivindicações. As conquistas sociais, porém, ainda são modestas - assim como os próprios pleitos.
Aproveitando a expansão robusta da construção civil, que cresceu 4,5% no ano passado, o sindicato que representa os trabalhadores nesse setor no Estado de São Paulo conseguiu melhorar em sua convenção coletiva o café-da-manhã e a cesta básica. Depois de anos reclamando do pão francês com margarina oferecido pelas empresas, os trabalhadores conseguiram acrescentar queijo e uma fruta da época ao desjejum.
À cesta básica foi acrescentada a carne de charque e alguns produtos foram trocados por marcas melhores, conforme conta Antonio Ramalho, presidente do sindicato. Para ele, o forte crescimento do setor nos últimos anos e a maior mobilização dos trabalhadores são os responsáveis por essas conquistas. A participação nos lucros e resultados (PLR) também passou a ser paga a mais trabalhadores. No ano passado, 50 empresas negociaram este benefício. Em 2007, o número quadruplicou e subiu para 200.
O acordo desta categoria também concedeu aumento de 5,5% aos salários, o que representou um ganho de 2% além da inflação acumulada nos 12 meses até maio deste ano - data-base da categoria. Foi o terceiro reajuste real consecutivo, porém, ele foi menor do que os 2,8% além da inflação conquistados no ano à custa de greve, mas acima do 1,7% concedido em 2005.
"A criatividade dos sindicatos tende a crescer neste momento em que há mais oxigênio na economia, especialmente na indústria", avalia Luiz Antonio de Medeiros, secretário de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho. Para ele, "aos poucos este movimento de novas reivindicações vai se espalhar de sindicato para sindicato." Essas iniciativas, no entanto, ainda são esparsas e boa parte das categorias procuradas pelo Valor ainda está focada só nos reajustes salariais.
Medeiros acrescenta que além dos aumentos reais, uma tendência marcante nos últimos acordos é a de busca por maior qualificação profissional, seja por meio de cursos oferecidos pelas empresas ou por subsídios.
É o caso do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Paulo. Com data-base em novembro, eles querem negociar neste ano o subsídio ou a criação de um fundo voltado à formação e à qualificação dos trabalhadores. Rafael Marques, secretário-geral da entidade, diz que a idéia é que as empresas contribuam para este projeto que teria a prefeitura como parceira. Segundo ele, o Estado de São Paulo ainda tem uma indústria muito antiga e uma forma de modernizá-la é pela qualificação da mão-de-obra.
Outra reivindicação que está na pauta é a ampliação do auxílio-creche, valor recebido pelas famílias que têm filhos. Hoje os metalúrgicos têm direito a este benefício por um ano. "A idéia é chegar aos seis anos", conta Marques. Pode parecer um aumento muito grande, mas o sindicalista afirma que na Scania os trabalhadores já têm este direito. Neste ano, ao contrário de 2006, quando se beneficiaram do acordo bianual fechado em 2005, os metalúrgicos precisarão negociar também o reajuste dos salários.
Os 3,1 mil trabalhadores nas companhias de trens urbanos do Rio, Belo Horizonte, Recife, Maceió, João Pessoa seguiram o exemplo dos metalúrgicos e conseguiram um feito inédito no setor público: negociaram, na semana passada, reajuste real para dois anos. O aumento será de 6% além da inflação, parte dele concedido agora e parte em 2008. Conseguiram também a incorporação aos salários de um abono fixo no valor de R$ 40 que era pago desde 2001. Com isso, a partir de 2008, o reajuste incidiria também sobre esse valor.
Já os empregados nas empresas farmacêuticas do Estado de São Paulo conseguiram ampliar um acordo fechado em 2006. Por meio dele, as companhias com mais de 200 empregados são obrigadas a fornecer medicamentos com desconto aos funcionários. Neste ano, o sindicato conseguiu incluir no acordo mais empresas, já que a obrigatoriedade passou a ser para quem emprega a partir de 100 pessoas.
O desconto mínimo no medicamento fica em torno de 30%, diz Sergio Luiz Leite, secretário-executivo da Federação dos Químicos de São Paulo, chegando a 80%, e beneficia 7 mil trabalhadores. O acordo só não inclui subsídio a medicamentos de uso controlado que sejam oferecidos pela rede pública. Em novembro deste ano, Leite pretende fechar este mesmo acordo com as indústrias do ramo químico, que não aderiram a ele no ano passado. Se isto acontecer, 70 mil trabalhadores serão beneficiados.
O supervisor do escritório regional de São Paulo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-econômicos (Dieese), José Silvestre de Oliveira, diz que em função do próprio cenário de inflação baixa e estabilizada, surgem novos temas no debate com patrões, que obrigam os trabalhadores a darem maior consistência às negociações. "Benefícios e salários indiretos, como vale-refeição, convênio e cesta básica passam a ser tão ou mais importantes que o aumento do salário além da inflação", afirma Oliveira.
Nem todos, porém, se atém aos salários indiretos. Os trabalhadores nas indústrias de brinquedos no Estado de São Paulo, representados pelo Sindbrinq-SP e com data-base em junho, fecharam um acordo que elevou em 2,43% além da inflação seus rendimentos. Uma conquista muito comemorada, no entanto, foi o direito a duas folgas anuais de meio período para que os pais possam comparecer às reuniões escolares de seus filhos. "Com a inflação e o desemprego em alta, os trabalhadores estavam sempre de olho no retrovisor, vendo o passado. A situação atual requer um esforço para olhar para frente e pensar as necessidades de cada categoria", diz Oliveira.