Título: Governo intervém para conter alda da comida
Autor: Freitas, Jorge; Reis, Graziela
Fonte: Correio Braziliense, 13/01/2011, Economia, p. 14

Ministério da Agricultura decide vender parte dos estoques de grãos para forçar a queda dos preços dos alimentos, mas produtores duvidam que a medida vá surtir efeitos

O governo vai intervir pesadamente no mercado de produtos agrícolas para controlar os preços dos alimentos, cuja alta tem castigado a população de baixa renda. Com a venda de parte dos estoques de grãos, que somam 7,29 milhões de toneladas, e a garantia de preços ao produtor, a equipe econômica quer derrubar o custo da comida e ajudar a manter na mesa dos brasileiros mais pobres feijão, arroz, carnes de aves e suínos, leite e ovos. Mas essa iniciativa pode ser insuficiente para enfrentar o salto nas cotações internacionais e a evolução da renda dos trabalhadores, que eleva o consumo e, em consequência, gera inflação.

Com a venda de sacas de milho, o Ministério da Agricultura quer garantir a redução do preço do produto in natura e contribuir para diminuir os custos de produção de carne de aves e suínos. O milho é um importante insumo na produção das rações dos animais. Ontem mesmo, já foi realizado um leilão da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), com entrega de 83 mil toneladas ¿ 66,5% do total de 125,9 mil toneladas oferecidas.

O governo promoverá leilões de arroz para garantir o pagamento mínimo estipulado aos produtores. No início, a oferta será de cerca de 60 mil toneladas do grão. Já os preços do feijão tendem a baixar quando a oferta subir. Segundo análise dos técnicos da Conab, os agricultores estão recebendo pela saca do produto recém-colhido entre R$ 50 e R$ 90, dependendo da qualidade. As recentes chuvas têm criado uma maior dificuldade de compra nas regiões produtoras. A primeira safra, ou safra das águas, terá redução de 1,1% na área plantada, mas será maior em 1,5 milhão do que a anterior.

Círculo vicioso A equação formada por consumo aquecido e oferta reduzida tem levado à valorização dos alimentos. No caso da carne bovina, não há estoques e é impossível engordar um bezerro da noite para o dia. Nos grãos, as cotações previstas para as sacas é que definem o investimento do produtor. Se o preço baixar, o produtor acaba não plantando. Sem colheita, cai a oferta e o preço chega mais alto na safra seguinte, num círculo vicioso. Por isso, consultores, pesquisadores e, principalmente, produtores rurais não acreditam que qualquer intervenção feita ¿na marra¿, por meio da venda dos estoques reguladores do governo, tenha efeitos duradouros.

O consultor de Mercado da Scot Consultoria Alex Lopes da Silva lembra que a arroba do boi atingiu a cotação recorde no Brasil no ano passado, chegando a R$ 118. ¿Falta matéria-prima e a renda está em alta. Por isso, houve o pico na entressafra¿, explicou. Hoje, o preço da arroba está, em média, em R$ 100 e não há expectativa de queda. Segundo Silva, o preço da carne bovina é diretamente ligado ao aquecimento da economia. ¿Estudos mostram que, se a renda aumenta 1%, o consumo de carne, principalmente dos cortes traseiros, de maior valor agregado, sobe 0,5%.¿

O proprietário da fazenda Agromill, Renato Müller, de Paracatu (MG), também duvida que uma intervenção do governo para baixar preços de grãos surta efeito. ¿O tiro pode sair pela culatra¿, alertou. Ele planta feijão, milho, soja, abóboras e cebolas. Segundo Müller, a saca de 60 quilos de feijão esteve mais cara em agosto (R$ 80). Agora, a cotação está em R$ 50. ¿Não sei onde querem intervir.¿

A onda de elevação de preços não é relacionada apenas ao aumento da renda dos pobres. Segundo Lucilio Alves, pesquisador da Área de Grãos do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), a recuperação de preços da soja e do milho foi ditada pelo mercado internacional. ¿Não se consegue ampliar a oferta rapidamente e muito menos reduzir a demanda¿, observou. Segundo analistas, o consumo internacional continuará aquecido.

Exportações As exportações brasileiras de produtos agrícolas bateram recorde em 2010, atingindo US$ 76,4 bilhões, num crescimento de 18% em relação aos US$ 64,7 bilhões de 2009.

Os produtos que se destacaram foram açúcar (US$ 12,7 bilhões), café (US$ 5,7 bilhões), milho (US$ 2,1 bilhões) e carnes bovinas, suínas e de aves (US$ 11,8 bihões). A Ásia se consolidou como principal destino, comprando 30,1% da pauta. Somente a China foi responsável por 14,4% do total. Segundo o ministro da Agricultura, Wagner Rossi, as vendas podem ultrapassar a casa dos US$ 85 bilhões neste ano. ¿Seria bastante razoável esperarmos incremento em torno ou acima de 10%¿, disse ontem, ao anunciar os números.

Consumidor muda cardápio

Cristiane Bonfanti

A disparada no preço dos alimentos azedou o orçamento dos brasileiros mais pobres em 2010, que tiveram o bolso mais sacrificado que o restante da população e precisaram adaptar o cardápio, deixando de comprar carne e frango e reduzindo o açúcar. O Índice de Preços ao Consumidor Classe 1 (IPC-C1), que mede a inflação para famílias com renda até 2,5 salários mínimos, encerrou o ano em 7,33%, muito acima dos 3,69% de 2009. O número é maior que os 6,24% do IPC-BR, indicador que leva em conta os gastos das famílias com ganhos até 33 mínimos.

A elevação nos preços dos alimentos foi condicionada pela quebra de safra de alguns produtos por causa de problemas climáticos, e pelo crescimento do consumo, resultado da melhora dos rendimentos dos trabalhadores. ¿Houve aumento no preço dos grãos em geral, que afetou outros alimentos, como o frango. Os problemas na oferta do trigo, por exemplo, encareceram o pãozinho francês, fundamental na mesa do brasileiro. As famílias de baixa renda sentiram muito, pois a alimentação é o que mais pesa na sua cesta¿, disse o economista-chefe do Banco Schahin, Silvio Campos Neto.

A secretária Vânia de Sousa, 43 anos, sentiu o aperto no bolso e passou a ir ao supermercado só em dias de promoção. Mesmo assim, muitas vezes, precisou deixar o frango para trás. ¿Os preços estão um absurdo. Eu comprava o quilo por R$ 3. Agora, não encontro por menos de R$ 5¿, reclamou. Na lista de compras da dona de casa Ireni Trindade, 48, o aumento mais sentido foi no açúcar. Nas contas dela, o preço saltou de R$ 6 para R$ 9. ¿Além disso, todas as verduras estão mais caras¿, observou.

Coxão mole Casado e pai de três filhos, o motorista Rui Bispo, 43 anos, vai várias vezes ao supermercado durante o mês para aproveitar a queda nos preços de produtos específicos. Apesar do trabalho, sofre com o preço da carne. ¿O valor do quilo do coxão mole subiu de R$ 9 para R$ 13. Dependendo do item, eu só levo quando tem liquidação¿, afirmou. A maior inflação do IPC-C1 foi registrada na classe de despesas alimentação (11,03%), rubrica que consome 40% da renda das famílias mais pobres.