Título: Últimas notíciasGeral
Autor: Bautzer,Tatiana
Fonte: Valor Econômico, 30/08/2007, EU & investimento, p. D1

A crise financeira internacional começou a corrigir alguns dos excessos de "exuberância" no mercado brasileiro. Segundo levantamento da consultoria Capital Partners, as empresas obtiveram em suas aberturas de capital um múltiplo médio - calculado a partir da relação preço/lucro líquido (P/L) - de 73,4 vezes, enquanto as grandes companhias do Ibovespa têm um índice médio de 14,7. A amostra tem 95 empresas que abriram o capital desde 2000. O P/L dá uma idéia de quantos anos o investidor levaria para obter o retorno do investimento e, quanto menor, mais barata está a ação.

"Essas empresas terão que entregar aos investidores um crescimento extraordinário para fazer face a esses múltiplos, muitas vezes maiores que os de empresas de mercados maduros", afirma Paulo Esteves, sócio da Capital Partners. O ágio sobre o valor patrimonial obtido nas ofertas de ações no Brasil chegou a níveis altos até mesmo para o mercado japonês, onde as taxas de juros são negativas. Os investidores pagaram, por exemplo, 891 vezes o valor contábil da Brasil Ecodiesel na data da operação e 424 vezes o da corretora/ incorporadora imobiliária Abyara.

Mas já há sinais de que os investidores estão cobrando resultados. A Capital Partners expurgou do Ibovespa as ações com IPOs (ofertas iniciais, na sigla em inglês) recentes e verificou que as empresas mais antigas resistiram melhor. O índice expurgado caiu 8,3% entre os dias 19 de julho e 22 de agosto, enquanto o Ibovespa perdeu no mesmo período 11%.

Há maior seletividade e não aversão generalizada a risco. Não por acaso, a maior perda ocorreu nas ações ordinárias (com voto) da sucroalcooleira Cosan: 36,3%. Segundo analistas, as ações estão sendo punidas pelas tentativas de reestruturação organizadas pelo controlador que desagradam aos minoritários e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Dentro do mesmo setor há comportamentos díspares. Por exemplo, um dos melhores desempenhos entre IPOs recentes foi da construtora CR2, que subiu 24,1%. A holding PDG Realty caiu só 2,6% e a Company, 6,9%. Mas há construtoras e incorporadoras com grandes perdas: Abyara e Tecnisa caíram 31%, CCDI e Cyrela, 27%, Agra e Inpar, 24,3% no período.

A administradora de cartões de crédito Redecard foi avaliada em 283 vezes seu valor patrimonial. Mas os investidores continuam entusiasmados com a empresa, que teve queda de 9,17%, inferior à do Ibovespa.

Chama a atenção na amostra o grande número de companhias com prejuízo depois de abrir o capital. E o pior: em vários casos, foi justamente o custo do IPO - taxas aos bancos, advogados etc - que levou a companhia ao vermelho. Jorge Simino, diretor da Fundação Cesp, diz que registrar prejuízo porque pagou a abertura de capital não é normal. "É como dizer que estourou o orçamento do mês porque foi comer no McDonald's", afirma. "Isso indica que ou a empresa não tinha porte e retorno suficiente para ir à bolsa, ou que há algum problema de gestão."

No IPO da Camargo Corrêa Desenvolvimento Imobiliário (CCDI), os investidores pagaram 191 vezes seu lucro operacional antes de juros, impostos e depreciação (Lajida). O múltiplo bateu em 227 no auge da euforia do mercado e recuou para 166 no fim de agosto. Os cálculos continuaram sendo feitos pela Capital Partners com base no Lajida e lucro de 2006, para facilitar a comparação. Em casos em que a empresa passou a prejuízo, o múltiplo preço/lucro geralmente não é aplicável. Depois de lucrar R$ 2,3 milhões no ano passado, a empresa perdeu R$ 10,1 milhões no primeiro semestre do ano. No comentário do resultado, a administração afirma que os gastos com o IPO foram determinantes.

Para André Segadilha, do banco Prosper, "ainda é cedo para dizer se os múltiplos pagos nos IPOs foram altos demais". O setor praticamente não tem histórico de capital aberto e os investimentos com recursos dos IPOs ainda são muito recentes. Também não está estabelecido no Brasil o prazo dos ciclos de investimento em diferentes nichos de mercado, como imóveis para baixa ou alta renda.

A Rodobens Negócios Imobiliários caiu 21% durante a crise. O lucro no primeiro semestre foi de R$ 3,9 milhões depois de pagar despesas de R$ 20 milhões com o IPO. "As ações das empresas de incorporação imobiliária foram mais afetadas devido à sua maior sensibilidade às expectativas de taxas de juros, já que o crescimento do setor está fortemente relacionado aos financiamentos de longo prazo a menores taxas", afirma o diretor de relações com investidores da Rodobens, Orlando Viscardi.

Simino, da Fundação Cesp, confirma a dificuldade em definir os múltiplos ideais agora. "É cedo, não só porque as companhias são novas, mas porque ainda não está claro se a crise internacional vai mudar ou não os fundamentos econômicos".

Ele acredita que a crise ainda está no primeiro estágio. Só quando se souber o tamanho do rombo do "subprime" será possível avaliar o impacto na economia. Prejuízos de US$ 300 bilhões, por exemplo, equivalem a 2,3% do PIB americano, ou 1,53% do total de operações de crédito no país. Nesse cenário, a magnitude da crise é menor que a de instituições de poupança nos EUA na década de 90.

No Brasil, o múltiplo P/Lajida de grandes empresas fica entre 5 e 9, e de companhias de médio porte ("small caps"), entre 11 e 15, estima o executivo. "Mas acho difícil que os IPOs depois da crise saiam com múltiplos que tiveram durante a bolha, mais de 20, 30 vezes o lucro operacional."

Um exemplo de queda ligada ao resultado é o da empresa Bematech, que vende software e hardware para automação comercial em varejistas. Suas ordinárias perderam 35% no período, mais que o triplo da perda do Ibovespa. A empresa passou de lucro de R$ 7,6 milhões em 2006 a prejuízo de R$ 18,14 milhões no primeiro semestre. Também caíram muito as ações da CSU Cardsystem, 27,6%. Os investidores descontaram os resultados considerados decepcionantes. Até 2005 registrando lucros, no ano passado a empresa perdeu R$ 16,9 milhões. E continua com prejuízo de R$ 9,9 milhões até junho. Investimentos para aumentar a base de cartões e baixo desempenho comercial da unidade Telesystem foram as justificativas da companhia.

Os bancos de médio porte na bolsa também foram muito prejudicados. O Banco Cruzeiro do Sul, por exemplo, perdeu 25% do valor durante a crise, depois de obter no IPO preço correspondente a 13,7 vezes o valor patrimonial. O Sofisa perdeu 17,8%, e registrou prejuízo por conta de despesas do IPO. Segundo um executivo de banco de investimentos que coordenou várias aberturas de capital, as instituições financeiras foram desproporcionalmente atingidas por conta das origens da crise nos Estados Unidos, concentrada no setor financeiro. Muitos compradores nas ofertas primárias eram estrangeiros que venderam setor financeiro no mundo todo, diz.

Quanto maior a participação de estrangeiros no IPO, mais prejudicadas foram suas ações durante a crise. Fundos hedge desesperados pela falta de liquidez no auge da crise saíram vendendo ativos em todo mundo, o que pode ter contribuído para quedas exageradas de alguns papéis, apesar de resultados e gestão positivos. Esse fator foi o principal a afetar as "blue chips" brasileiras.

A valorização de algumas companhias mostra, entretanto, que a questão não é de aversão total a risco, mas de seletividade. Uma das "queridinhas" do mercado é a MMX Mineração, que obteve 449 vezes seu valor patrimonial no IPO. As ações da empresa atravessaram bem a turbulência, caindo apenas 7,11%. O ciclo de commodities minerais continua em alta e a empresa já anunciou novos contratos de fornecimento e a aquisição de uma outra mineradora.

"À parte os fatores técnicos em algumas emissões, como a grande participação de estrangeiros, os investidores já estão emitindo julgamentos sobre a qualidade de gestão das novas empresas", acredita Simino, da Fundação Cesp.