Título: Sócios da Ceará Steel levam nova solução para o projeto ao governo
Autor: Romero, Cristiano; Ribeiro,Ivo
Fonte: Valor Econômico, 30/08/2007, Empresas, p. B1

Uma solução de mercado deverá tirar do papel a criação da siderúrgica Ceará Steel. A Companhia Vale do Rio Doce e seus sócios privados na usina - a coreana Dongkuk e a italiana Danieli - informaram ao governo que vão tocar a construção da usina sem o gás da Petrobras. "Não se vai mais produzir aço, na Ceará Steel, com gás, mas com carvão", informou ao Valor um ministro próximo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O projeto da Ceará Steel, com investimento de US$ 750 milhões, estava emperrado porque a Petrobras, por razões legais e também de mercado, vinha se recusando a subsidiar o gás a ser usado na produção de aço da futura usina siderúrgica. "Os outros fabricantes de aço iam querer o mesmo privilégio", comentou um assessor do governo, lembrando que o maior produtor brasileiro de aço, o empresário Jorge Gerdau, é membro do Conselho de Administração da Petrobras.

O acordo, para a construção da Ceará Steel foi feito num momento em que o preço do gás estava baixo. Quando o gás subiu, tornou proibitivo o uso daquela fonte de energia. Usar o gás, explicou um ministro, implicaria à Petrobras dar algum grau de subsídio à futura siderúrgica.

O insumo, escasso, teve seu preço elevados no país desde a idéia da siderúrgica, na década passada. Pelo protocolo inicial, de 1996, cada milhão de BTU de gás custaria US$ 2,44. A esse preço seria dado desconto de US$ 1,19 em troca de contrapartidas tributárias do governo do Ceará, reduzindo seu preço para US$ 1,25. Hoje, grande parte do gás vem da Bolívia

Mantidos esses preços e se o contrato fosse assinado, a estatal teria prejuízo de US$ 500 milhões a US$ 1 bilhão trazendo-se para o presente o valor subsidiado do gás durante os 20 anos de vigência do contrato. No fim de 2006, quando se tornou pública a resistência da Petrobras em continuar a negociar o suprimento no modelo anterior, os sócios da Ceará Steel chegaram a admitir alta de preço para cerca de US$ 4,5 a US$ 5. Porém, o acordo esbarrou na fórmula de reajuste.

"Criou-se um problema do ponto de vista político. O governo gostaria muito de ter a siderúrgica no Ceará, mas era preciso solucionar antes esse problema do gás", observou o ministro. Na semana passada, representantes da Vale e dos outros sócios envolvidos no negócio estiveram no Palácio do Planalto e comunicaram que a futura usina usará carvão, provavelmente importado da África, como fonte de energia para tocar a usina.

"Tentou-se encontrar uma fórmula para não caracterizar subsídio, mas não foi possível. O mercado resolveu o problema", disse outro ministro, demonstrando alívio com a solução encontrada. O temor do Palácio do Planalto era o projeto da siderúrgica não sair do papel, provocando fissuras na sua base de sustentação política - por causa do impasse, o deputado Ciro Gomes (PSB-CE), virtual candidato à sucessão de Lula em 2010, vinha aumentando o tom das críticas ao governo e à Petrobras.

"O preço do carvão não está nas alturas, o que torna o negócio da Ceará Steel competitivo. A Vale vai trazer o carvão da África. Ela exporta minério e volta com os navios vazios, então, fez os cálculos e constatou que o negócio fica rentável se trouxer carvão da África", relatou um ministro que participou das reuniões no Planalto. A Vale desenvolve uma grande mina de carvão em Moçambique, além de Austrália e China.

A própria Vale, sem alarde, tomou iniciativa de negociar com a Dongkuk para traçar a mudança na rota tecnológica (de gás para carvão, passando de usina a redução direta para modelo convencional, como Usiminas, CSN, Cosipa, Açominas e ThyssenKrupp CSA). O principal ponto era encontrar um meio de contornar a presença da Danieli , que desenvolveu o processo que usa gás natural. Esse processo é característico em usinas instaladas em regiões em que há sobra de gás, o qual é em grande parte queimado. Não é o caso do Brasil.

A mineradora negociou a nova configuração da usina cearense na Coréia do Sul e o acordo envolveu, além da Dongkuk - principal acionista da Ceará Steel -, a Posco, maior usina de aço local e que está entre as cinco maiores do mundo. As duas companhias coreanas passam a integrar o projeto como grandes acionistas. A Usina deverá produzir 5 milhões de toneladas numa primeira fase. A Vale continuaria como sócia minoritária.

Segundo o Valor apurou com fontes, o presidente da Vale, Roger Agnelli, busca mais sócios para o empreendimento. Agnelli também ocupa um assento no conselho da Petrobras, representando o governo. A assessoria de imprensa da Vale informou que "a empresa não iria se pronunciar sobre o assunto porque é minoritária na Ceara Steel e que quem deveria falar é o sócio majoritário".

Não é a primeira vez que a Posco tenta montar bases no Brasil. Em outubro de 2004, a coreana firmou um memorando de entendimento com a Vale para um projeto no Maranhão. Com as dificuldades no Estado, principalmente ambientais, pôs o projeto na geladeira e deu atenção a um outro bem maior na Índia.

O Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS), que moveu ações na Justiça contra o subsídio ao gás, relembrou que sempre apontou dificuldades para a usina na rota a gás. "Se é desejo do Estado ter uma siderúrgica, que seja feita na rota convencional (a carvão). Não somos contra usina no Estado, mas contra subsídio", disse Marco Pólo Lopes, vice-presidente executivo.

O presidente Lula deve anunciar a solução do impasse na próxima semana, em viagem ao Nordeste.