Título: Bernanke se distancia da política dos anos Greenspan
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Fonte: Valor Econômico, 30/08/2007, Finanças, p. C3

Quando Ben Bernanke foi nomeado presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), em 2005, ele prometeu "dar continuidade às políticas e estratégias de política econômica estabelecidas durante os anos Greenspan". Mas, ao enfrentar sua primeira crise financeira, Bernanke dá sinais de um claro distanciamento em relação a Alan Greenspan, que presidiu o Fed de 1987 a 2006.

Essa mudança é importante para se entender por que Bernanke não cortou ainda a principal taxa de juros do Fed e pode alterar a percepção dos investidores sobre como o Fed de Bernanke vai funcionar.

O Fed tem historicamente duas funções principais: manter a estabilidade financeira é uma; controlar a inflação e ao mesmo tempo evitar a recessão é a outra. Para Greenspan, a confiança do mercado estava tão interligada com as perspectivas da economia que as duas eram geralmente indistinguíveis. Ele cortou os juros depois do crash das bolsas de 1987 e do quase colapso do fundo de hedge Long Term Capital Management em 1998 para evitar que a relutância do investidor em correr riscos prejudicasse o crescimento econômico.

Bernanke, ao contrário, distingue as duas funções. Por isso, o Fed reduziu a taxa de juros e esticou o prazo de empréstimos a bancos em operações de redesconto no dia 17. Mas não reduziu ainda a taxa que é mais importante para a economia, a taxa dos fundos federais, cobrada nos empréstimos interbancários e que serve de referência para todos os juros cobrados de empréstimos de curto prazo nos Estados Unidos.

É claro que todos os banqueiros centrais vêem uma ligação entre a estabilidade financeira e a econômica. A queda do valor dos investimentos e um aperto do crédito podem afetar os gastos e o investimento. Mas Bernanke está enfatizando a sabedoria de se separar as duas.

"Não há dúvida de que eles queriam traçar uma distinção entre usar a principal ferramenta de política monetária, que é a taxa dos fundos federais, e utilizar a taxa do redesconto para restaurar o (fluxo de recursos)", diz Alan Blinder, um ex-vice-presidente do Fed e colega de Bernanke na Universidade de Princeton. Ele diz que a decisão parece para ele "um golpe de mestre - pelo menos até agora".

Se o Fed acabar por cortar a taxa de fundos federais, como o mercado está prevendo, o contraste com Greenspan vai desaparecer e alguns podem criticar Bernanke por agir lentamente. Bernanke vai se pronunciar sobre o cenário econômico amanhã, num simpósio anual do Fed regional de Kansas City, em Jackson Hole, no Estado americano de Wyoming.

A abordagem diferente de Bernanke é em parte um esforço para desfazer as percepções criadas pelas intervenções de Greenspan de corte dos juros. Embora tenham sido bem-sucedidas, elas provocaram acusações de "risco moral", ou seja, o risco de se estimular o investidor a agir com mais inconseqüência por achar que o Fed vai sempre protegê-lo. Nem Bernanke nem seus colegas mais próximos, alguns dos quais trabalharam com Greenspan, acreditam que tenha havido uma "opção Greenspan", uma referência a um contrato que protege o investidor de prejuízo. Eles dizem que o objetivo do Fed é assegurar que os participantes do mercado consigam comprar e vender, e não impedir que os preços caiam. E enfatizam que o Fed de Greenspan não impediu a queda das cotações de títulos de renda fixa em 1994, nem das ações em 2001.

Autoridades do Fed reconhecem, entretanto, que a percepção de um resgate do investidor existe, e que, se ela crescer livremente, pode minar a credibilidade de que precisam para manter a inflação baixa e estimular atitudes inconseqüentes em relação ao risco. Elas esperam que, ao levarem mais tempo para avaliar a necessidade da economia de cortes no juros, estejam desencorajando investidores de pensar que os economistas do Fed estejam preocupados demais com quedas nos mercados.

As reações às táticas de Bernanke variaram de acusações de que ele é um acadêmico cego às conseqüências econômicas do aperto de crédito a elogios por forçar malandros de Wall Street a pagar por sua inconseqüência. O julgamento final vai girar em torno de até que ponto os mercados e a economia sobrevivem à atual turbulência.

Ele talvez ainda tenha que cortar os juros. Mas quanto mais esperar, mais chances terá de afastar os investidores da premissa automática de que convulsões do mercado levam a cortes nos juros. Há sinais de que esteja conseguindo isso. No dia 16, com as bolsas afundando e os mercados de crédito numa confusão, a administradora de recursos Bridgewater Associates escreveu num relatório diário que é muito lido: "O crédito na economia está secando, e o Fed precisa afrouxar agora."

Na terça-feira passada, com mercados se acalmando, a mesma firma escreveu: "Se estivéssemos no lugar do Fed, certamente não teríamos pressa em ´salvar o sistema´ até que haja mais evidências de que o sistema precisa ser salvo."