Título: Excesso de regulamentação é criticada
Autor: Travaglini, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 30/08/2007, Finanças, p. C14

Ao contrário das outras linhas de financiamento, como imobiliário e consignado, o microcrédito não tem avançado na mesma proporção. Durante seminário sobre o tema promovido pelo Banco Itaú, em São Paulo, o chefe do Departamento de Organização do Sistema Financeiro (Deorf), do Banco Central, Luiz Edson Feltrim, sugeriu que existe um consenso de que as taxas de juros livres para as microfinanças promoveriam a competição baixando os juros pela eficiência.

Para ele, os serviços microfinanceiros sustentáveis são um importante veículo de combate à pobreza. Ele acredita que o mercado de microcrédito está evoluindo devido ao aumento de renda nas classes mais baixas. "A base está aumentando e está aparecendo com potencial tomador de serviços financeiros. Não tenho dados, mas tenho percebido pelo movimento dos bancos".

O diretor do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), Manuel Thedim, concorda que a desregulamentação poderia melhorar o setor. Segundo ele, apenas o Banco do Nordeste vem captando recursos.

Hoje, os bancos são obrigados a cobrar, no máximo, 4% ao mês do cliente, no caso de empresas, e 2% ao mês para pessoas físicas. Esse limite é considerado como muito baixo para os padrões do mercado de crédito para baixa renda. Existe ainda um limite de R$ 10 mil para cada operação.

A regulamentação exige ainda que os bancos destinem 2% de todos os depósitos à vista para um fundo a fim de incentivar o microcrédito. Esses recursos, hoje em R$ 2,2 bilhões, podem ser captados pelos próprios bancos, a taxas que variam entre 1,4% e 2% ao ano, para ser repassados para instituições que atuam com microcrédito, as Oscips e Sociedades de Crédito ao Microempreededor (SCM).

Essas entidades é que devem cobrar até, no máximo, 4% ao mês e que fazem a ponte entre os recursos e o cliente. A diferença entre a captação e os juros cobrados na ponta é acertada entre os bancos e as entidades.

Atualmente, pouco mais de R$ 1 bilhão é usado. A diferença está paralisada e não atende a demanda de mais de 10 milhões de microempresas. O vice-presidente do Itaú, Antônio Matias, pondera que os números do setor ainda são modestos porque as operações estão no início.

Segundo dados do BC, para o microcrédito produtivo, existem hoje 16 milhões de pequenas unidades produtivas, além de 13 milhões de trabalhadores por conta própria. A demanda efetiva está na cada dos 7 milhões. Isso representa um mercado de R$ 12 bilhões (US$ 6 bilhões). A oferta hoje, no entanto, é de pouco mais de R$ 1 bilhão, para 1 milhão de microempresas.

Sondagem feita pelo Ministério do Trabalho mostra que, entre todas as Oscips que atuam com microcrédito (cerca de 200), a demanda total não superaria R$ 200 milhões, diz o coordenador do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado do Ministério do Trabalho e Emprego, Almir da Costa Pereira.

Almir discorda, no entanto, que a culpa seja do excesso de regras. "A relação do sistema financeiro com as associações não está no nível adequado, mas estamos trabalhando para fortalecer essa confiança", diz.

Um dos pontos mais discutidos são as informações repassadas ao bancos para divulgar dados com inadimplência. Matias avalia que muitas entidades não têm estrutura para fornecer os dados necessários sobre risco. O banco tem R$ 7,5 milhões repassados. Tem ainda outros R$ 80 milhões de operação própria (não produtivo) e outros R$ 75 milhões aplicados em depósito interfinanceiro vinculado a operações de microfinanças (DIM). O total, R$ 160 milhões, é inferior à exigibilidade total do banco, cerca de R$ 270 milhões.

O ministério estuda a padronização do chamado plano de contas, com indicadores para facilitar o conhecimento das entidades por parte dos bancos e facilitar a liberação dos recursos.

Diretor-presidente do Real Microcrédito, do Banco Real, José Giovani Anversa, concorda com o diagnóstico. Segundo ele, um avanço será a padronização dos planos de contas das Oscips, que o MTE irá regulamentar. O banco tem um dos programas mais desenvolvidos entre os bancos de varejo, com uma operação que deve atingir o break-even agora em setembro e com mais de R$ 36 milhões de saldo de operações próprias, e inadimplência na casa dos 9%. "O ideal é 6%".

Mundialmente, o mercado está na casa dos US$ 17 bilhões, para uma demanda estimada em US$ 300 bilhões. O Morgan Stanley, por exemplo, emitiu recentemente dois títulos securitizados para repassar recursos para microfinanceiras em 20 países pelo mundo. Para as próximas operações, o Brasil pode ser envolvido, disse Henry Gonzalez, do banco.

O diretor de investimento em microfinanças do International Finance Corporation (IFC), do Banco Mundial, André Laude, disse que esse tipo de título tem grande apelo entre os investidores internacionais e que o Brasil deveria estimular mais a interação entre o mercado de capitais e o de crédito.