Título: Agosto reacende preocupações com a inflação
Autor: Durão , Vera Saavedr ; Neumann , Denise
Fonte: Valor Econômico, 10/09/2007, Brasil, p. A4

Os índices de preços divulgados em agosto consolidaram a preocupação de economistas de institutos de pesquisa e consultorias com os riscos de o país enfrentar em breve uma inflação de demanda. O que acendeu a "luz amarela", apesar da pressão forte dos agrícolas (que respondem por metade da inflação acumulada no ano), foi uma alta inusitada dos serviços e aumentos pontuais em preços industriais no atacado e no varejo.

Os serviços subiram cerca de 0,50% no IPCA do mês, praticamente dobrando a taxa em relação ao 0,27% em julho e o 0,23% de junho. Nos industriais, o IPA industrial (medido pela Fundação Getúlio Vargas) subiu 0,61% em agosto após alta de 0,45 % em julho, puxada pelos metais (0,71%). Também apareceram reajustes em calçados e eletroeletrônicos, entre outros bens de consumo. "Estes são indícios de que o crescimento forte da demanda já está se fazendo sentir em alguns outros setores além da alimentação. Ainda é cedo para dizer se estamos em inflação de demanda, mas é uma situação que precisa ser monitorada", resume Elson Teles, economista-chefe da Corretora Concórdia.

"Os sinais de inflação de demanda são incipientes e podem não se confirmar. Mas se eles persistirem nos próximos meses, então estaremos com um problema porque a demanda deve continuar aquecida", avalia Fernando Montero, economista-chefe da corretora Convenção. Massa salarial em alta, crédito farto e atividade aquecida são ingredientes que continuarão presentes no médio prazo e contribuem para animar o consumo.

"Além destes ingredientes, a demanda pode ganhar uma ajuda adicional - e preocupante - vinda da expansão do gasto público", acrescenta Montero, lembrando que o governo encerrou o primeiro semestre com folga no superávit primário e o orçamento de 2008 projeta aumento real das despesas da União.

A percepção de um novo cenário para a inflação já está levando algumas consultorias a avaliar que o Banco Central vai suspender a trajetória de queda dos juros na reunião do Copom de outubro. Para Fábio Silveira, da RC Consultores, que prevê uma pressão ainda continuada dos agrícolas até outubro, o BC vai fazer isto porque seus economistas só enxergam o curto prazo. Ele acredita que uma trajetória de queda das commodities metálicas e um arrefecimento dos agrícolas deve ocorrer a partir de dezembro, mas concorda que em 2008 o fator de pressão altista da inflação será a demanda aquecida por uma massa salarial que sobe entre 5% a 5,5% ao ano.

Salomão Quadros, coordenador de análises econômicas da FGV, que responde pelos cálculos dos IGPs, também comunga desta avaliação, mas não crê que o BC vá sustar o processo de queda dos juros, apenas manter o ritmo de corte em 0,25 ponto. "O que está escrito no índice é uma inflação de alimentos, mas nas entrelinhas existe um elemento de demanda que não pode ser ignorado", disse ao Valor. Quadros ainda não vê grande impacto nos serviços, mas chamou sua atenção no IGP de agosto a alta de preço dos calçados no varejo, que passou de 0,35% em julho para 0,98% no mês passado. O fato, avalia ele, mostra uma recuperação da indústria calçadista impulsionada pela demanda.

A variação dos produtos industriais medidos no IPA (atacado) ainda é dominada pelos aumentos dos alimentos, que responderam sozinhos por 55% da variação de 0,61% do grupo, em agosto. Outros grupos também estão subindo como o óleo combustível (impactado por petróleo) e produtos metalúrgicos (contaminados pelas commodities metálicas como cobre, níquel, chumbo, cujas cotações estiveram em alta em maio e junho e só agora influíram nos preços domésticos no atacado).

O custo da construção civil, medido pelo INCC do IGP, também foi influenciado pelo comportamento dos metais, com destaque para condutores elétricos, que utilizam o cobre na sua composição e o alumínio. O cimento, item de maior consumo no país, mantém-se comportado: alta de 2,15% no ano e 3,21% em 12 meses, abaixo da média do setor, que soma 5,01%.

O economista da FGV reconhece que existem elementos de demanda se fortalecendo na inflação, mas não a ponto de causar alta generalizada de preços. "Precisamos começar a nos preocupar quanto a uma possível mudança na composição da inflação. Ao invés de uma inflação de alimentos, daqui a uns seis meses, poderemos nos deparar com uma inflação de demanda".

Na composição futura da inflação, os preços livres deixam de contar com a ajuda do câmbio, que parou de cair e tem oscilado em uma tênue trajetória de alta. Essa é uma das preocupações de Gian Barbosa, analista de inflação da Tendências Consultoria, e que é partilhada por Quadros, da FGV. "O efeito amortecedor do câmbio provavelmente mudou por causa da crise internacional e parece que não terá mais o efeito amortecedor de antes", argumenta ele.

Marcos Franklin, economista da Paraty Investimentos, em estudo feito sobre a influência dos produtos agrícolas na inflação brasileira, acredita que depois deste ajuste forte nas commodities agrícolas em todo o mundo, que nos últimos 12 meses até agosto elevou o preço da soja para mais de 50%, do trigo em mais de 90% e do milho em mais de 40%, haverá uma estabilidade do preço dos grãos em 2008. "O melhor fertilizante para qualquer lavoura é o preço", destaca, convencido que haverá um aumento forte da safra de grãos nos próximos 12 meses. Para ele, esta é uma excelente notícia para a inflação no Brasil e no mundo.

Por conta desta análise, a Paraty projeta um IPCA de 4,1% para este ano, impactado por uma variação acumulada de 10% do grupo alimentação e bebidas, que sozinho deve responder por 2 pontos percentuais deste IPCA. Esperando estabilidade dos preços dos grãos em 2008, Franklin antevê uma desinflação importante desse grupo e projeta um IPCA menor para 2008, de 3,7%, indo na contramão do mercado.

Esta "melhora" será obtida por conta de uma variação de apenas 4% no grupo alimentação em 2008, gerando um impacto positivo na inflação do período. Em contrapartida, pressões mais fortes virão dos preços administrados e dos serviços, por conta de uma demanda aquecida e uma utilização da capacidade instalada da indústria bastante elevada, avalia o economista da Paraty.

Sérgio Vale, da MB Associados, compartilha do cenário de maior pressão em serviços e administrados, mas prevê uma inflação pelo IPCA de 3,9% em 2007 e de 4,3% em 2008, basicamente por causa de uma demanda crescendo em ritmo acelerado. Vale também avalia que o choque agrícola é temporário em vários segmentos e a tendência é a agropecuária subir menos em 2008.

Desde o início do ano, Carlos Thadeu Gomes Filho, do grupo de conjuntura do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de janeiro (IE-UFRJ), vem batendo na tecla de que o setor de serviços pressiona a inflação. Para ele, agosto reforçou essa tendência. Esse grupo, isolado, responde por 9,3 pontos da composição do IPCA e subiu, nos últimos 12 meses, 5%. "A situação não é alarmante", diz Gomes Filho. Mas, junto com a perspectiva de que a alta dos alimentos possa contaminar outros preços livres, fará com que o BC ponha uma lupa ainda mais acentuada sobre a inflação.

Silveira, da RC Consultores, avalia que nos próximos doze meses os serviços pessoais serão os que vão subir mais, bem como os serviços de saúde e educação. Os produtos manufaturados sofrerão alguma pressão de alta por causa do câmbio. Ele projeta um câmbio de R$ 2,10 para 2008, levando em conta um encolhimento do saldo comercial de US$ 46 bilhões para US$ 38 bilhões. "São ajustes que vão ser operados na economia, mas sem nenhuma alteração mais dramática", avalia.