Título: Temporão negocia saída financeira que garanta gastos da União com saúde
Autor: Lyra,Paulo de Tarso ; Izaguirre, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 10/09/2007, Política, p. A8

O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, busca, junto aos seus colegas da Fazenda e do Planejamento, uma saída financeiramente sustentável para garantir a regulamentação da Emenda 29 - que define os gastos da União, Estados e municípios com Saúde Pública. Apesar da ordem expressa do presidente Luiz Inácio Lula de Silva de dar prioridade à questão, o Planalto reconhece que o projeto de regulamentação que tramita no Congresso é inviável. Duas propostas em tramitação no Legislativo defendem a indexação do orçamento da Saúde à 10% da receita corrente bruta do governo; e uma terceira propõe a indexação à 18% da receita corrente líquida. Isso representaria cerca de R$ 23 bilhões no Orçamento anual, segundo estimativas do Ministério do Planejamento.

Hoje, a Emenda 29, aprovada em 2000, indexa as verbas anuais da saúde à variação nominal do Produto Interno Bruto. A própria emenda definiu que essa sistemática perduraria por cinco anos e, depois desse prazo, deveria ser revista.

O impacto dos projetos depende da metodologia considerada. Contando com a Desvinculação das Receitas da União (DRU), o governo teria que aplicar em Saúde cerca de R$ 9,32 bilhões a mais ao ano. Sem a DRU, a cifra sobe para R$ 23,6 bilhões. Se vigorar, no próximo ano, a regra de indexação à receita corrente bruta, conforme proposta em tramitação no Congresso, o orçamento da Saúde saltaria de R$ 47, 8 bilhões para R$ 71,4 bilhões de 2007 para 2008.

"Isso é loucura, vamos tirar de onde esse dinheiro? Esquece!", declarou um ministro que tem acompanhado de perto a discussão sobre o destino da Emenda 29.

Temporão reuniu-se na semana passada com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, do Planejamento, Paulo Bernardo, e da Casa Civil, Dilma Rousseff. "Temos que encontrar uma proposta alternativa à que está apresentada pela Frente Parlamentar da Saúde. Não adianta simplesmente o governo vetar uma idéia proposta sem dizer exatamente qual a sua contraproposta", disse o ministro da Saúde ao Valor, reconhecendo que a equipe econômica tem calafrios diante da possibilidade de aumentar ainda mais os gastos com saúde. Só com a vigência da indexação ao PIB nominal nos últimos anos, o orçamento desse setor mais do que duplicou, saindo de R$ 20 bilhões em 2000 para R$ 47,8 bilhões este ano.

Ainda que de maneira incipiente, os ministros envolvidos no debate começaram a rascunhar uma gradação no aumento dos recursos. Uma saída seria manter a variação do PIB nominal e ainda adicionar um percentual variável crescente, a ser aplicado gradualmente até 2010. De quanto seria esse adicional, ainda é uma incógnita.

Outro gargalo é a contrapartida dos Estados nesse debate. Apenas oito Estados aplicam o mínimo de 12% de sua receitas em Saúde, como determina a Emenda 29: Acre (13%): Amazonas (24,4%); Roraima (12,39%); Amapá (15,35%); Ceará (12,61%); Rio Grande do Norte (12,77%); São Paulo (11,99%) e Distrito Federal (13,94%).

Estados como Minas Gerais e Santa Catarina, por exemplo, repassam menos de 9% da arrecadação, enquanto Mato Grosso do Sul gasta apenas 6,15%. A situação dos municípios é um pouco melhor - apenas 130 das 5,3 mil cidades brasileiras não cumprem o que lhes cabe na Emenda 29 - repasse de 15% da receita. Mas, somando Estados e municípios descumpridores das regras constitucionais, defronta-se com um rombo orçamentário anual de R$ 5,7 bilhões. "É mais uma torneira de desperdícios de gastos que precisa ser fechada", cobrou um auxiliar do presidente Lula. Os ministros sabem, contudo, que não há como colocar a faca na garganta dos governadores e prefeitos inadimplentes. Por isso, estuda-se também estabelecer uma gradação para que esses administradores possam regularizar sua situação orçamentária em relação ao Ministério da Saúde.

O terceiro ponto em aberto - e sobre o qual os governadores e prefeitos se apóiam ao afirmar que não estão descumprindo nada da legislação - é estabelecer, claramente, o que são gastos com saúde. Os administradores estaduais e municipais acabam colocando outros investimentos sob o mesmo guarda-chuva orçamentário da Saúde, para justificar as prestações de contas junto aos tribunais estaduais e municipais. Uma resolução do Conselho Nacional de Saúde de 2003 definiu que não podem ser considerados gastos com saúde: aposentadorias e pensões; plano de saúde de servidores públicos ou de grupos fechados, como policiais militares; merenda escolar; saneamento básico em cidades de até 50 mil habitantes; coleta de lixo e ações de proteção ao meio ambiente. "Mas como a Emenda 29 jamais foi regulamentada, ninguém segue esses parâmetros do Conselho Nacional de Saúde", lamentou Temporão.

Ele concorda que existem sérios problemas de gerenciamento no sistema. Não rebate a análise de que os recursos para sua Pasta vêm crescendo ao longo dos últimos anos. "Não adianta simplesmente colocar dinheiro se as pessoas não sabem como gastar", rebate outro ministro, que defende a regulamentação da Emenda 29, mas prega um "choque de gestão no setor de saúde". Afinal, os recursos para o setor duplicaram e nem por isso a qualidade melhorou.

Para o ministro, apesar do aumento dos recursos, as fontes de financiamento ao longo dos últimos 20 anos sempre foram instáveis. Segundo ele, quando a Constituição de 1988 foi promulgada, ficou definido que o orçamento da Saúde seria composto por 30% do orçamento da Seguridade Social. Nos anos 90, os recursos começaram a rarear até que a regra foi mudada novamente e a seguridade foi substituída pelo Orçamento Geral da União. O agravamento do cenário levou à proposta de criação da CPMF, um imposto inicialmente provisório destinado a financiar a Pasta. Em 2000, a Emenda 29 foi aprovada, mas sua regulamentação jamais aconteceu.

No início do governo Lula, em 2003, o deputado Roberto Gouveia (PT-SP) apresentou projeto de lei que já tramitou por todas as comissões especiais e está pronto para ser votado no plenário da Câmara. Para não perder tempo e garantir os recursos já para 2008, Temporão torce para que o governo chegue a um consenso interno e com a Frente Parlamentar da Saúde. "Se isso ocorrer, faremos a mudança no projeto que já está na Câmara, acelerando a tramitação", prevê o titular da Saúde.