Título: Lulândia surfando na onda da crise financeira internacional?
Autor: . Moura, Alkimar R
Fonte: Valor Econômico, 11/09/2007, Opinião, p. A12

Como ocorre freqüentemente nas economias de mercado, estamos de novo às voltas com uma crise financeira internacional. Esta tem elementos de identidade e de diferenciação com as crises precedentes (crises mexicana, asiática, russa, brasileira, LTCM e outras). Os fatores recorrentes são os seguintes: na raiz da crise, como também nas anteriores, estão erros crassos na concessão de empréstimos, produto da ganância de uns, da esperteza de outros e da ingenuidade de terceiros. Junte-se a isto dois componentes explosivos, também presentes antes: alta alavancagem de instituições financeiras, fundos e tomadores de crédito e frouxíssima regulamentação sobre participantes importantes do mercado global, como os fundos hedge e os fundos de private equity. É claro que os atores não são os mesmos, pois a explosão dos fundos de hedge e dos private equities é fenômeno de meados dessa década, mas os canais de amplificação da crise pelos vários mercados acabam valendo-se de instrumentos de administração de ativos, os mais variados. Vale a pena lembrar que os fundos de hedge são hoje responsáveis por mais de 50% do volume de negociação nos mercados globais de ações e de dívida.

Quais os elementos novos na crise atual? Como tais, podem ser relacionados os seguintes: esta é uma crise nascida no centro financeiro internacional, e não na sua periferia, da mesma forma que aquela no início da década de oitenta, decorrente da elevação da taxa de juros pelo Federal Reserve sob a batuta de Volcker. Isto acabou precipitando a longa e penosa crise da dívida externa dos países devedores. Em segundo lugar, não existe nenhum componente ponderável de risco cambial na situação atual, ao contrário das crises da década de noventa, que combinavam risco de crédito com risco cambial. Em terceiro lugar, o sistema bancário comercial internacional parece estar relativamente pouco afetado diretamente pela crise, a não ser por eventuais posições próprias em ativos de alto risco, ou seja, os títulos que foram "empacotados" pelos bancos de investimentos, com base nos empréstimos subprime e vendidos para fundos de pensão e fundos de hedge. Portanto, eventuais perdedores, além dos credores dos subprimes, incorporadores e devedores imobiliários, serão os cotistas de tais fundos, os quais se acham disseminados geograficamente por várias regiões do mundo. Por último, essa disseminação de riscos atinge principalmente os países desenvolvidos, pois investidores em países emergentes parecem estar pouco expostos a tais riscos, até pelo fato de que, na maioria destes países, existem regras que limitam o acesso a investimentos financeiros além-fronteiras.

-------------------------------------------------------------------------------- Mesmo com condições de amortecer os choques externos, as turbulências no mercado global ainda deverão estar conosco --------------------------------------------------------------------------------

Até agora, o pior da crise foi evitado pelas intervenções maciças dos bancos centrais dos países ricos, tendo, agora, o Banco Central Europeu tomado a iniciativa daquelas operações de liquidez. O Federal Reserve System acompanhou a decisão de M.Trichet e foi além, ao reduzir em 50 pontos-base a taxa de redesconto. Os outros bancos centrais também atuaram no mesmo sentido, para evitar que a crise de iliquidez nos mercados monetários nacionais se propagasse para a economia real, até que os governos pudessem implementar medidas menos paliativas.

A primeira tentativa de ir ao cerne da questão veio do governo Bush, ao anunciar que a Federal Housing Administration, encarregada de garantir as hipotecas no mercado imobiliário, iria atuar no fornecimento de garantias para tomadores de empréstimos habitacionais com problemas de atrasos nos pagamentos de suas obrigações. Não existem condições ainda para se avaliar se esta iniciativa no setor imobiliário irá ser suficiente para evitar uma recessão nos Estados Unidos, o que poderia afetar negativamente a economia global. No caso dos empréstimos bancários aos fundos de private equity, é provável que o próprio sistema financeiro reconheça suas perdas, sem ajuda oficial.

Quais os impactos da crise sobre a economia brasileira? Será que, agora, a Lulândia voltou a ser uma ilha de tranqüilidade, em um cenário turbulento, como quiseram nos iludir, às vésperas da crise da dívida externa, nos anos 80? A economia brasileira está hoje melhor blindada contra choques externos, como já indicado por vários economistas, dentro e fora do governo. O regime cambial de "flutuação suja" também ajuda no amortecimento dos choques externos. Em outras palavras, o contágio via setor real da economia foi minimizado, até o momento, pelo fato de se desconhecer ainda as repercussões da crise no desempenho do PIB norte-americano. Do lado financeiro, no entanto, não há como evitar que os efeitos das mudanças dos preços dos ativos e nas condições de crédito nos mercados globais deixem de influenciar os preços dos ativos negociados nos mercados domésticos. As variações recentes nos índices da bolsa de valores, nas taxas futuras de juros e na taxa de câmbio são decorrência direta da crise. Além disso, novas captações de recursos no mercado internacional de capitais por tomadores brasileiros provavelmente ficarão mais difíceis, até o mercado se normalizar. Assim, embora o país tenha melhores condições de amortecer os choques externos, as turbulências no mercado financeiro global deverão estar conosco por algum tempo. Quanto a isto, como um participante menor, pouco resta a fazer senão dançar conforme a música.