Título: Mercosul quer negociar mais flexibilidade
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 12/09/2007, Brasil, p. A5

O Brasil e a Argentina querem negociar uma flexibilidade adicional na área industrial para o Mercosul (como bloco) no acordo da Rodada Doha, em meio a crescente pressão dos países desenvolvidos para se comprometerem nessa negociação. As alternativas a serem levadas para a Organização Mundial de Comércio (OMC) incluem desde um maior número de produtos com corte tarifário menor até mais prazo para manter a proteção ao setor industrial. A idéia é acomodar melhor as sensibilidades específicas das indústrias de cada um dos quatro sócios.

"Do mesmo jeito que foram gastos milhares de horas na OMC para atender sensibilidades dos agricultores de países ricos, o mesmo deve ser feito para países onde a indústria é sensível", disse ao Valor o secretário de Comércio Internacional da Argentina, Alfredo Chiaradia. Os Estados Unidos, a União Européia e outros desenvolvidos pressionam para os emergentes dizerem claramente que aceitam como base para a negociação final o texto industrial que OMC apresentou no fim de julho - e que foi contestado por grande parte dos países em desenvolvimento.

O comissário de Comércio da UE, Peter Mandelson, insistiu ontem que a negociação precisa agora "entrar nos detalhes" para ter alguma chance de acordo final e cobrou do Brasil e outros emergentes um claro posicionamento. Na semana passada, a representante comercial dos EUA, Susan Schwab, chegou a acusar o Brasil, Argentina, África do Sul e Índia de ameaçarem "destruir" a Rodada Doha, por causa da resistência na área industrial.

Chiaradia veio ontem a Genebra, onde rechaçou a acusação com uma clara mensagem ao diretor-geral da OMC, Pascal Lamy: a Argentina está engajada e quer o avanço da rodada. Mas isso passa por profunda mudança no texto industrial, para garantir flexibilidade às indústrias que precisam de proteção.

Pelo texto que a OMC quer usar como base da negociação, há duas opções de flexibilização para países em desenvolvimento na área industrial: um país pode escolher fazer cortes até 50% menores em 10% das linhas tarifárias que não ultrapassem 10% do valor total importado. Ou excluir 5% das linhas tarifárias da lista de cortes, desde que não ultrapassem 5% do valor importado. Os países do Mercosul escolheram a primeira opção, o que significaria proteger 880 produtos. Normalmente, a lista considera produtos dos setores mais sensíveis como automotivo, móveis, têxteis, calçados, máquinas, eletrônicos e químicos.

Ocorre que, ao checarem as listas apresentadas pelos países, negociadores do Mercosul constataram que os produtos sensíveis não sempre são os mesmos. "Isso fez incrementar a lista dos sensíveis do bloco porque é uma união aduaneira", disse Chiaradia. De fato, a lista foi quase o dobro dos 880 que deveriam ser, segundo fontes. Haverá nova consolidação, mas inevitavelmente a lista vai passar dos 10%. E cada diferença significa diminuir a flexibilidade do bloco.

A questão, porém, é qual alternativa apresentar na OMC, porque ela é inevitável. O subsecretário de Assuntos Econômicos do Itamaraty, ministro Roberto Azevedo, apenas comentou: "Estudamos várias alternativas que permitam o desfecho positivo da rodada."

De fato, o bloco pode misturar as duas opções dadas pela OMC. Também pode pedir flexibilidade adicional pelo fato de o Mercosul ter membros que se enquadram na categoria de "economias pequenas e vulneráveis", caso do Paraguai e do Uruguai. Isso não é novo. A África do Sul já fez proposta para ter corte adicional menor para as tarifas de importação da União Aduaneira da África Austral (Sacu), que tem sócios com situação econômica distinta. "Argentina, África do Sul e outros tem setores industriais muito sensíveis que merecem tratamento especial", disse Chiaradia.

Outra questão é o tamanho dos cortes industriais para os produtos que ficarem fora da flexibilidade. Argentinos, brasileiros e outros emergentes insistem que tudo vai depender do que acontecer na atual rodada de negociações na área industrial. Ou seja, a ambição na área agrícola é que vai determinar a ambição na área industrial.