Título: Governo proibiu Mattel de importar brinquedos
Autor: Leo,Sérgio ; Bispo, Tainã
Fonte: Valor Econômico, 12/09/2007, Empresas, p. B4

Anna Carolina Negri / Valor Marilena, do Idec, aprova a medida do governo e diz que a Mattel foi relapsa Apontado ontem pela Mattel como o culpado por uma eventual falta de brinquedos importados, no Dia das Crianças, o Ministério do Desenvolvimento defendeu-se atacando a acusadora, e confirmou que, desde 17 de agosto, estão suspensas as licenças de importação da empresa por precaução, em respeito aos consumidores.

Em nota, o ministério afirma que "a suspensão só será revogada quando a fabricante atender a todas as normas técnicas" oficiais. Não há, porém, nenhum caso registrado de descumprimento das normas, a não ser o anúncio feito pela própria Mattel de recolhimento (recall) de alguns brinquedos feitos na China com potencial ameaça à saúde.

Na prática, por determinação do ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, a Secretaria de Comércio Exterior suspendeu as licenças de importação da Mattel por prazo indefinido, e os fiscais do Inmetro analisam cada lote importado com as licenças concedidas antes desta data, para verificar se há problemas com os brinquedos. Até agora, informa a nota do ministério, "não foi registrado nenhum acidente relacionado a problemas com os brinquedos da marca", mas o governo age preventivamente. Não há data para a retomada da concessão das licenças.

O governo manteve as licenças de importação para outra empresa que apresentou problemas, a Gulliver. Esta anunciou na última semana de agosto o recolhimento do brinquedo Magnetix, com pequenas partes imantadas potencialmente perigosas para crianças. Segundo o MDIC, a empresa não foi submetida ao mesmo rigor que a Mattel porque os brinquedos perigosos foram importados em 2006, e não seriam mais comercializados.

As duas empresas estão sofrendo processo administrativo instaurado pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), órgão ligado ao Ministério da Justiça.

O MDIC vinha mantendo em segredo a suspensão das licenças contra importação, apesar do anúncio, feito há pouco mais de duas semanas pelo ministro do Desenvolvimento Miguel Jorge, ao Valor, de que o governo faria uma "verificação mais cuidadosa" contra os brinquedos da Mattel. A empresa levou, no início de agosto, dados sobre o recall ao secretário de Comércio Exterior, Armando Meziat, que, no entanto, segundo a própria Mattel, pediu informações adicionais, e suspendeu a importação.

Partiu da própria Mattel, temerosa da falta de produtos para pôr à venda no Dia das Crianças, a decisão de tornar pública a suspensão que o governo mantinha em sigilo. Em conversa com jornalistas, ontem, o presidente da Mattel do Brasil, Alejandro Rivas, chegou a prever um "efeito devastador e nefasto" e "danos irreparáveis" ao varejo com a suspensão das licenças de brinquedos no Dia das Crianças. Rivas chegou a prever aumento de preços para os brinquedos e aumento da pirataria, com a suspensão das importações. Disse esperar, porém, que Meziat autorizasse ainda na próxima semana a retomada da concessão de licenças. No ministério, essa hipótese é considerada pouco provável. A Mattel informou, via nota, que encaminhou ontem por escrito todas as informações solicitadas pelo MDIC.

Para Marilena Lazzarini, coordenadora executiva do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a decisão do governo "é um primeiro passo positivo" para oferecer maior segurança aos consumidores. "A Mattel foi relapsa. A empresa tem um conjunto de antecedentes que justifica essa medida", diz. "Mas o governo deve agir com isonomia. Eu entendo essa atitude como uma medida que será replicada em todas as situações similares a essa. Não é só para a Mattel." A maior fabricante de brinquedos do mundo anunciou quatro recalls que englobaram o Brasil, desde janeiro de 2006.

Marilena diz que esse primeiro passo, no entanto, não pode ser feito de forma solitária. Pondera que é necessário maior fiscalização do governo. A portaria do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), divulgada em 27 de agosto, já aumentou o nível de segurança da certificação dos produtos importados. Agora, diz ela, é o momento do governo monitorar os recalls internacionais e checar se esses produtos estão sendo vendidos no mercado nacional e aumentar a divulgação dos recalls.

Consideradas as diferentes proporções entre a economia brasileira e a norte-americana, o recall ainda é um dispositivo pouco utilizado no Brasil. Entre janeiro do ano passado e julho de 2007, foram feitos 77 recalls de brinquedos com defeitos nos EUA. No Brasil, durante o mesmo período, somaram sete, segundo levantamento feito pelo instituto. Para Marilena, há uma série de fatores que fazem com que o recall, de uma maneira geral, seja visto como algo negativo e, por isso, deixado de lado pelas empresas nacionais dos mais diversos setores. "No Brasil, as empresas não fazem o recall. Além disso, esse dispositivo de defesa existe desde 1990, enquanto que os americanos utilizam o recall desde a década de 70", diz Marilena.

Marilena cita o caso da Gulliver. A empresa brasileira começou a vender a linha Magnetix no Brasil no início de 2006. Em março do ano passado, o mesmo brinquedo passou por um recall nos EUA. Porém, a fabricante brasileiro só anunciou o recall no Brasil no final de agosto. A Gulliver alega não ter tido conhecimento sobre o recall nos EUA. "As empresa brasileiras têm medo de comprometer a marca", afirma.

Além disso, o único órgão brasileiro que recebe os recalls das empresas é o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), ligado ao Ministério da Justiça, cujo orçamento em 2005 foi de R$ 4,9 milhões. "É importante fortalecer o DPDC", afirma. O Idec, compara, tem um orçamento anual de R$ 4 milhões. A falta de recursos não é exclusividade brasileira. Até as agências americanas - há cerca de sete órgãos que respondem pelos recalls dos mais diversos produtos - estão com uma verba menor. "Uma dessas agências, a Consumer Product Safety Commission está pedindo uma verba de US$ 63 milhões para 2008. A metade do orçamento da agência em 1978", afirma.