Título: A solução é perseverar
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 28/01/2005, Brasil, p. A2

O presidente Lula está "obcecado" - na expressão de um alto funcionário do Palácio do Planalto - por encontrar uma forma de romper com o círculo vicioso da política econômica. Cada vez que a economia cresce, gera pressões inflacionárias. Em resposta, o Banco Central aumenta os juros e, com isso, cresce a dívida pública. Dívida maior demanda maior esforço fiscal e impede o governo de aumentar os investimentos necessários à sustentação do crescimento. Agora, o presidente precisa decidir quanto vai cortar do Orçamento de 2005 e será algo entre R$ 12 bilhões e R$ 16 bilhões. A angústia de ver juros mais elevados, de um lado, e corte do gasto público, de outro, o levou a discutir com o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, o presidente de BC, Henrique Meirelles, e o presidente da Confederação Nacional da Indústria, Armando Monteiro, saídas possíveis. Lula acha que, mesmo com o crescimento em torno de 5% do PIB, no ano passado, seu governo está se tornando refém desse círculo "assim como ocorreu com Fernando Henrique Cardoso durante todo o segundo mandato", comentou um colaborador muito próximo do presidente. A rigor, Lula defendeu a política monetária do BC na reunião com Monteiro, e disse ao industrial que seus colegas estão remarcando preços, conta um assessor. Mas receia que a elevação contínua da Selic corte boa parte do crescimento deste ano. A notícia daquela reunião, logo após o Copom elevar a Selic para 18,25%, foi associada à especulação de que Lula teria sugerido uma troca da diretoria do BC e até recomendado a Meirelles que o Copom produzisse uma ata mais amena. No entanto, a ata divulgada ontem foi duríssima. É fato que um diretor do BC, Alexandre Schwartsman, da Área Externa, comunicou, em setembro, que pretende sair do governo. Aguarda apenas a aprovação das medidas de liberalização do câmbio, com a unificação de taxas, e considera concluída sua missão no governo. Há informações de que Afonso Bevilacqua, diretor de Política Econômica, também teria manifestado desejo de sair. Mas isso não significa que seus substitutos serão mais flexíveis, desenvolvimentistas. Schwartsman quer sair. Meirelles está à procura de um nome e já recebeu algumas recusas. Lula está aflito. Os cortes no Orçamento terão que ser feitos a contragosto do presidente que, ao final do ano passado, afrouxou os gastos, embalado pelo extraordinário aumento das receitas. E ressurgem movimentos a favor de mudanças na política econômica. Mesmo com os ziguezagues nos humores do Planalto, não vai haver tal mudança. Não na essência nem nos seus instrumentos da política em vigor. A área econômica identifica nos ruídos pela mudança um esforço dos ministros gastadores - e nomina Jacques Wagner, Luiz Dulci e Ciro Gomes - inspirados pelo senador Aloisio Mercadante, que querem maior flexibilidade fiscal e monetária à custa de mais inflação. Palocci não vê relevância nessa ofensiva e a considera recorrente, garantem fontes oficiais. De fato, os que clamam por mudanças com Lula não levam propostas razoáveis. Quando levam, elas representam mais gasto público.

Copom pode operar na meta ajustada

Há espaço, porém, para pequenos ajustes. Mantendo o regime de metas, é possível rediscutir a trajetória de queda da inflação sem cair na leniência; e é hora do ministro da Fazenda se manifestar sobre o grau do aperto fiscal deste ano. Há quem defenda, no governo, a repetição, em 2005, da meta de 4,5% do PIB de superávit primário de 2004. Há os que querem voltar para os 4,25% do PIB e quem queira menos do que isso. O certo é que pegou muito mal a permissividade do governo com o aumento de gastos com pessoal e custeio no segundo semestre do ano passado e seria oportuno a área econômica reiterar a opção pela austeridade. O corte no Orçamento sacrificará os investimentos, mas não tanto quanto parece. A idéia é repetir o executado no ano passado, R$ 9,8 bilhões. A esse valor, porém, agregam-se os R$ 2,8 bilhões da negociação com o FMI, em torno da metodologia de cálculo de alguns investimentos públicos. A expectativa é de que a direção do FMI se manifeste a favor dessa alteração na reunião de abril. Uma boa parcela dos R$ 2,9 bilhões de recursos para saneamento básico de 2004, também acertados com o FMI em 2003, foram contratados no ano passado mas só serão liberados em 2005. Portanto, o impacto dos investimentos públicos na economia, neste exercício, mesmo com cortes, será bem maior do que em 2004, alegam os que defendem o rigor fiscal (que ajuda à política monetária). Paralelamente à essa discussão, há uma fresta para o BC aliviar, de forma moderada, a meta de inflação para 2005. Em setembro, quando redefiniu 5,1% como meta de inflação a ser perseguida este ano, o BC imaginou um IPCA acumulado de 2004 de 7,2%. Na ocasião, o cálculo foi de que a inércia seria de 0,9 ponto percentual. Um terço desse valor seria combatido no ano passado e o 0,6 ponto percentual restante seria acomodado em 2005. Ocorre que o IPCA de 2004 foi de 7,6%. Usando o recurso da meta ajustada, não seria um descalabro o Copom decidir que, dada a diferença, passaria a apontar a política monetária para uma meta de inflação de 5,4% ou 5,5% no ano. Essa margem poderia representar de 1 a 2 pontos percentuais a menos de aumento na taxa de juros Selic. Não seria uma solução para chegar ao paraíso, mas evitaria alguns bilhões a mais na dívida pública sem que seja uma sacada de carta da manga da camisa que cheire a desleixo com a inflação. Enfim, é preciso perseverar. Sobretudo na política fiscal. MP está preocupado com o câmbio Chegou à mesa do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, um ofício da procuradora da República Valquíria Oliveira Quixadá, solicitando que o BC envie todos os documentos e estudos sobre a unificação dos mercados de câmbio. Ao ofício, a procuradora anexou matérias do Valor sobre esse projeto. A iniciativa da procuradora espantou os técnicos do BC , não só pelo excesso de zelo do Ministério Público com as questões cambiais ainda sob estudos, mas com o precedente que isso pode abrir. Chegaria o dia, nesse ritmo, em que o BC teria que fornecer ao MP, com antecedência, todos os estudos e/ou documentos que monitoram as decisões do Copom.