Título: Schüffner, Cláudia
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/09/2007, Brasil, p. A3

Leo Pinheiro/Valor John Haney, vice-presidente de exploração e produção da Shell Brasil: novo imposto vai influenciar futuras licitações É só uma proposta. Mas já causa um terremoto de grandes proporções na bilionária indústria petrolífera. A intenção do secretário de Fazenda do Rio de Janeiro, Joaquim Levy, de cobrar ICMS de 16% sobre plataformas e outros bens utilizados pela indústria de petróleo na Bacia de Campos, ou 8% se o imposto não gerar créditos, é repudiada pelas companhias que operam no país.

Na semana passada, um grupo de altos executivos da Shell, Petrobras, Norsk Hydro, Devon, Statoil, BG, Repsol e Queiróz Galvão reuniu-se para criticar a intenção do governo do Rio. Juntas, essas empresas têm programados investimentos de US$ 90 bilhões no país somente em exploração e produção de petróleo nos próximos cinco anos. Desse total, US$ 25 bilhões virão das companhias privadas, tanto de capital estrangeiro como nacional. Em comum, elas têm o propósito de resistir à tributação.

O presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), João Carlos França de Luca, resumiu o que seus colegas da indústria vêm repetindo em uníssono desde que foram surpreendidos com a notícia da proposta feita pelo Rio na última reunião do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), no Espírito Santo, em julho: "A proposta do Rio de sair do convênio é contra a uniformidade tributária e confunde mais do que ajuda a resolver o problema do Estado. A atual legislação objetiva desonerar investimentos e o Rio parece achar mais fácil recolher tributos taxando investimentos."

Para aplicar esse imposto, o Rio pediu sua saída do convênio 58 do Confaz, de 1999. Levy é enfático ao defender o ponto de vista do Estado. E se diz surpreso com a reação da indústria. "O assunto não é novo. O que mudou é que agora temos um governo que tem certa legitimidade e sentou à mesa para discutir um problema que já existe em condições razoáveis", afirma, referindo-se à controversa Lei Valentim, que estipula imposto de 19% de ICMS sobre bens e equipamentos da indústria. Essa lei está sendo questionada na Justiça e aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) proposta pela Procuradoria Geral da República em 2004.

Em uma tentativa de "convergir", nas palavras de de Luca, o IBP propõe alíquotas de 5% e 2% sobre os bens, essa última sem a possibilidade de recuperar os créditos. A proposta, como admitiu o presidente do IBP, não foi fácil de arrancar das companhias reunidas no comitê de exploração e produção do IBP. "Foi o possível", diz. "Foi uma proposta para ter uma taxa que não impactasse tanto. Acreditamos na sensibilidade política do governador Sérgio Cabral", afirma. "É preciso considerar o impacto não só nos investimentos do Rio, mas aqueles em Estados de menor potencial petrolífero. O setor precisa de regras claras, atrativas e uniformes para melhorar o ambiente regulatório do Brasil", enfatiza de Luca, que preside a hispano-argentina Repsol YPF.

Murilo Marroquim, presidente da Devon, diz que o Rio ignora o fato de que a indústria trabalha com projetos de longo prazo, de 20 a 30 anos, e que os custos interferem nas projeções de lucratividade, já que não é possível prever com tanta antecedência o preço do petróleo. "Não é possível ter tranqüilidade e fazer projetos com essa duração quando se prenuncia que pode haver outras surpresas", afirma Marroquim, cuja empresa acaba de iniciar a produção de petróleo no campo de Polvo.

Ao decidir pela taxação, que depende da liberação do Confaz, o Rio decidiu "mudar as regras no meio do jogo", acusa o presidente da Hydro Brasil Óleo e Gás, o norueguês Kjetil Solbraekke. "Nessa indústria é importante conhecer com clareza o regime fiscal e que ele não mude. Lidamos com projetos de longo prazo e é importante ter estabilidade", diz Solbraekke.

A Norsk Hydro, que fundiu sua atividade de petróleo com outra gigante norueguesa, a Statoil, prepara-se para estrear sua produção no Brasil com o campo Peregrino, na Bacia de Campos, em associação com a americana Anadarko. Até 2010, os sócios planejam investir US$ 5 bilhões.

Segundo a Hydro, o ICMS de 16% trará impacto de R$ 300 milhões a R$ 400 milhões no projeto. Isso significa uma previsão de valor de mercado para os itens sobre os quais o imposto incide entre R$ 1,875 bilhão e R$ 2,5 bilhões.

Para se ter idéia do impacto da taxação pretendida pelo Estado, se pagasse ICMS sobre a plataforma P-54, próxima unidade da Petrobras a entrar em produção, a estatal teria que pagar US$ 200 milhões, segundo cálculos do diretor-financeiro e de relações com investidores, Almir Barbassa.

O presidente da Organização Nacional da Indústria de Petróleo (Onip), Elói Fernández, acha que a proposta do Rio tenta resolver um desequilíbrio dos cofres estaduais herdado por Cabral da ex-governadora Rosinha Matheus. A Onip foi contra a decisão do IBP de apresentar contraproposta ao governo do Rio. "É impossível voltar atrás em um regime tributário que está funcionando, que significa desoneração dos investimentos. O Rio está caminhando contra a tendência do mundo inteiro, de desonerar investimentos", diz Fernández.

"Estamos há dez anos tentando aperfeiçoar o Repetro, eliminando assimetrias e permitindo que pequenas e médias se beneficiem do programa. A decisão do Rio cria um desequilíbrio entre os Estados e é mais um elemento de não-competitividade para a indústria nacional", diz o presidente da Onip.

Levy não acha que a imposição de ICMS no Rio vá criar uma desordem tributária no Confaz. "Todos os setores pagam ICMS. Se estão construindo uma fábrica em determinado lugar, ela é tributada e depois recebe os créditos de volta. Você pode dizer que eles estavam acostumados a não pagar nada e agora vão ter que pagar", afirma. "Se todos os setores pagam ICMS, porque no do petróleo isso vai causar uma enorme desordem? É um imposto que tem 40 anos de funcionamento, e a idéia de que tributar vai criar um caos é curiosa."

Foi a preocupação com a fuga de investimentos para o Rio - onde as indústrias e prestadores de serviços poderão descontar o ICMS aplicado - que levou o secretário da Fazenda da Bahia, Carlos Martins, a pedir para analisar o projeto antes de se decidir. Martins explicou que alguns estudos indicam que a medida pode afetar a Bahia. "Havia a preocupação, por exemplo, de isso gerar concentração de atividades de logística no Rio, porque a tendência seria de acumular créditos lá", explicou. "Ademais, a atividade de petróleo é importante para o país e para os Estados e atitudes unilaterais não resolvem. O país precisa de investimentos externos para geração de emprego e essa discussão tem que ser encarada de forma global, com vários Estados", disse o secretário.

Martins adiantou que a Bahia já encaminhou ao Confaz a proposta de alíquotas de 5,14% ou 2,06% (sem crédito), previstas no convênio 50. Segundo Martins, a aplicação desse convênio, que já existe e tem alíquotas muito parecidas com as propostas pelo IBP, evitaria a saída do Rio do convênio 58, mantendo o equilíbrio tributário entre os Estados.

O vice-presidente de exploração e produção da Shell Brasil, John Haney, e seu sucessor, Stephen Whyte, adiantam que a nova alíquota será levada em conta pela Shell antes da 9ª Rodada de Licitações da Agência Nacional do Petróleo (ANP), em novembro. De acordo com Haney, a empresa ainda estuda o desenvolvimento de campos já descobertos no Brasil, como o BS-4 na Bacia de Santos, e os campos de Ostra, Abalone e Argonauta no bloco BC-10, em águas profundas do litoral capixaba.

Entre os contratos assinados para a primeira fase do projeto do BC-10 - os campos serão explorados gradualmente - está o arrendamento de uma plataforma com capacidade para processar 100 mil barris de óleo por dia. Haney afirma que ainda é cedo para avaliar o impacto de uma nova tributação sobre os novos projetos da Shell, mas diz que projetos no Brasil terão que ser comparados a outros em países como Nigéria e Angola.