Título: Lula dá ênfase ao discurso social para vender etanol na Europa
Autor: Saccomandi, Humberto
Fonte: Valor Econômico, 13/09/2007, Brasil, p. A5

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem insistindo, na sua atual viagem aos países nórdicos, no benefício social do etanol. Essa parecer ser uma estratégia do governo brasileiro para tentar convencer os reticentes europeus a reduzirem as tarifas de até 55% à importação do etanol de países em desenvolvimento, num momento em que cresce na Europa a desconfiança quanto à sustentabilidade do uso intenso de biocombustíveis.

"Os biocombustíveis constituem uma poderosa arma contra a pobreza e a desigualdade, sobretudo no campo", afirmou o presidente ontem em discurso na abertura de um seminário sobre bioenergia em Estocolmo, capital da Suécia. "Criam-se novas alternativas no campo, gerando empregos e evitando o êxodo rural." Lula não disse, mas fica subentendido, que parte desse êxodo vai parar no subúrbio das grandes cidades européias e que, ao contribuir para o aumento da renda nos países pobres, o etanol pode ajudar a conter o fluxo migratório para a Europa, um dos principais problemas políticos no continente.

Os motivos mais comuns para o apoio aos biocombustíveis na UE são segurança energética, ambiental e econômica. A primeira implica reduzir a dependência de petróleo e gás exportado por poucos países. A ambiental atua sobre as emissões de gases que causam o aquecimento global - e os países europeus, nórdicos à frente, buscam cumprir com metas do Protocolo de Kyoto e de uso de energia renovável. E no campo econômico, os biocombustíveis podem oferecer uma alternativa viável ao petróleo, além de ser um negócio interessante para empresas européias, inclusive as petrolíferas, que estão sendo alijadas das reservas de países emergentes.

Em seus discursos, Lula citou todos esses aspectos, mas fez questão de destacar o possível benefício social do etanol. A visão que ele procura transmitir é a de um grande programa de distribuição de renda aos países mais pobres, uma espécia de bolsa-etanol global. "Podemos estabelecer projetos de cooperação triangular com países mais pobres da América Latina, Caribe e África", disse Lula em Estocolmo. Sempre que falou de etanol, o presidente procurou associá-lo como uma saída para o desenvolvimento das regiões mais pobres. "Esses países comprometem grande parte de seus recursos com na importação de petróleo."

Lula defendeu as vantagens do etanol quanto à distribuição da renda no mundo. "Quantos países do mundo têm dinheiro, tecnologia para fazer pesquisas com petróleo, para fazer ou comprar uma plataforma de petróleo?", disse em outro discurso, horas antes, no Brazil Day, evento de negócios que reuniu empresários e autoridades dos dois países. Ele mesmo respondeu mais tarde: "Enquanto a produção de petróleo se concentra em 15 países, estima-se que mais de 120 países tenham potencial para produzir biocombustíveis."

Para promover a sua visão do etanol, não faltaram nem as figuras de linguagem tão caras ao presidente. "Podemos produzir parte da energia que precisamos sem fazer um furo de 6 km, mas um buraco de 20 cm (para plantar), que pode ser feito por uma máquina ou por um analfabeto, que depois pode tirar o seu petróleo, o seu combustível", disse. Esse discurso toca num ponto sensível aos europeus, que se vêem como promotores da justiça e da igualdade social no mundo. Países europeus, novamente os nórdicos à frente, são de longe os maiores doadores mundiais de ajuda ao desenvolvimento (em relação aos seus PIBs).

O discurso também constitui uma possível resposta às críticas de que o etanol vai elevar o custo dos alimentos, à medida que mais terra e mais produção são desviados para a elaboração de biocombustíveis. Segundo Lula, não se passa fome hoje no mundo por falta de comida, mas sim por falta de dinheiro, problema que poderia ser aliviado com a produção de etanol, sugeriu o "rei do etanol", como Lula foi chamado na imprensa sueca.