Título: País poderá produzir combustível nuclear no 1º semestre de 2010
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 13/09/2007, Brasil, p. A6

Ruy Baron/ Valor Júlio Soares de Moura Neto, comandante da Marinha: independência no fornecimento de combustível aos reatores

A partir do primeiro semestre de 2010, todo o ciclo de produção do combustível para mover as usinas nucleares de Angra 1 e 2 poderá ocorrer no Brasil. O país já domina completamente a tecnologia necessária, mas não há escala industrial para alimentar os reatores. Esse gargalo será eliminado em maio daquele ano, com a inauguração da Usina de Hexafluoreto de Urânio (Usexa), segundo o comandante da Marinha, Júlio Soares de Moura Neto.

A usina permitirá, conforme explicou o comandante, converter o "yellow cake" - concentrado de urânio produzido na mina de Caetité (BA) - no gás UF6. Hoje, a conversão de 350 toneladas anuais de "yellow cake" brasileiro é feita no Canadá. Em seguida, o hexafluoreto de urânio é enriquecido pelo consórcio europeu Urenco. Os dois processos custam cerca de US$ 40 milhões por ano. "Não é apenas uma questão econômica. Trata-se, acima de tudo, de ter independência no fornecimento de combustível aos nossos reatores."

A Usexa, que está em construção no município de Iperó (SP), deveria ter sido concluída em 2001, mas atrasou por causa dos cortes orçamentários no Programa Nuclear da Marinha e das dificuldades relativas à obtenção e importação de materiais. Inicialmente, em maio de 2010, a usina terá capacidade para converter 40 toneladas anuais de "yellow cake", mas esse volume poderá crescer rapidamente, informou Moura Neto.

O comandante vê condições de a Usexa atender plenamente à demanda de Angra 1 e 2, assim como a usina de Angra 3, prevista para entrar em operação em 2013. Em tese, haverá até a possibilidade de exportar combustível, disse o almirante em audiência pública, ontem, na Câmara dos Deputados. Mas isso dependerá essencialmente dos planos da estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB). "A Marinha se abstém nesse caso", acrescentou.

À exceção da conversão, que representa 5% dos custos totais do ciclo de combustível e cuja tecnologia também está dominada pelos militares, as demais etapas já podem ser feitas no Brasil. Isso inclui desde a mineração até o enriquecimento e o processo de reconversão do UF6 em dióxido de urânio, para transformação em combustível.

Para gerar o calor que a usina transforma em energia elétrica, o urânio é transformado em gás, na conversão. Depois passa por máquinas que o enriquecem, ou seja, aumentam a capacidade de gerar energia. Na etapa seguinte, é transformado em pó (a reconversão). Mais tarde vira pastilhas, colocadas em varetas, que formam o elemento combustível.

Satisfeito com a garantia dada pelo presidente Lula de que a Marinha receberá R$ 130 milhões por ano, a partir de 2008, para retomar o programa nuclear, Moura Neto confirmou a conclusão, em 2014, de um reator experimental de água pressurizada (PWR), modelo mais usado pelas usinas nucleares de todo o mundo.

O programa da Marinha, que esteve em "estado vegetativo" nos últimos dez anos, por falta de recursos, carece de mais R$ 1 bilhão para completar-se. Em julho, Lula anunciou a liberação dos recursos. O desembolso será feito, pelo Ministério da Defesa, em parcelas anuais de R$ 130 milhões. Como estará fora do orçamento próprio da Marinha, não há previsão de contingenciamento, afirmou o comandante.

O resultado será a conclusão do Projeto do Laboratório de Geração Núcleo-Elétrica (Labgene). Trata-se de um reator experimental, de tecnologia totalmente brasileira, com capacidade para gerar 11 megawatts (MW). É uma potência relativamente pequena, suficiente para abastecer uma cidade de 20 mil habitantes, mas o domínio da tecnologia poderá levar ao aumento gradual da capacidade e ao desenvolvimento de reatores maiores, explicou Moura Neto.

De acordo com o comandante, as futuras usinas nucleares brasileiras poderão ser construídas com tecnologia 100% nacional - Angra 1 foi construída com tecnologia americana, Angra 2 foi resultado de um acordo com a Alemanha e Angra 3 terá equipamentos da Areva, empresa que era alemã e hoje é controlada por franceses.

O governo prevê pelo menos mais uma usina, além de Angra 3, até 2020. E, até 2030, pelo menos quatro usinas, segundo planejamento do Ministério de Minas e Energia. Com o funcionamento da primeira planta nuclear brasileira, estarão criadas as condições para construir um submarino de propulsão nuclear, mais evoluído e tido como estratégico para aumentar o poder de dissuasão da Marinha contra eventuais inimigos.

Desde seu início, em 1979, o programa nuclear consumiu US$ 1,1 bilhão. Para mantê-lo em "estado vegetativo" nos últimos anos, a Marinha vem aportando R$ 62 milhões de seu orçamento. Um dos reflexos é a evasão de profissionais altamente qualificados, que têm saído em busca de salários mais atrativos. Outro problema é o risco de obsolescência do material adquirido. Há cerca de US$ 130 milhões de equipamentos prontos, em estoque, sem possibilidade de uso atualmente.