Título: Agente pode ser expulso
Autor: Mader, Helena
Fonte: Correio Braziliense, 13/01/2011, Cidades, p. 37

Superintendência da Polícia Federal no DF vai apurar denúncia de tortura contra presos e abuso de autoridade por parte do ex-chefe do Núcleo de Custódia da corporação na Papuda. Segundo a investigação do MP, o policial recebia a ajuda de um detento A Polícia Federal abriu ontem um processo administrativo para apurar a conduta do ex-chefe do Núcleo de Custódia da PF no Complexo Penitenciário da Papuda, Avilez Moreira de Novais. Como o Correio mostrou na edição de ontem, a Justiça determinou o afastamento do policial, que é acusado de abuso de autoridade e tortura contra os presos. A investigação foi conduzida pelo Ministério Público Federal (MPF) no DF. Se a Polícia Federal constatar que o agente usou o cargo indevidamente para torturar os presos, ele poderá até ser expulso da corporação. A instituição vai avaliar ainda a conduta de dois agentes penitenciários federais, também acusados de agir com violência na Papuda.

A Superintendência da PF no Distrito Federal pediu ao Ministério Público Federal e à Justiça uma cópia do processo e da denúncia formulada pelos procuradores. A assessoria de imprensa da polícia informou ainda que haverá prazo para ampla defesa dos acusados. Apenas depois de ouvir todos os envolvidos é que o destino de Avilez Moreira será definido. A instituição ainda não escolheu um novo nome para a chefia do Núcleo de Custódia ¿ que abriga os presos acusados de cometer crimes federais, como o tráfico internacional de drogas.

O Ministério Público Federal divulgou ontem a íntegra da denúncia contra o policial afastado. De acordo com a investigação dos procuradores, Avilez Moreira recebia o apoio de um dos detentos, Jean Carlos Melo Mendes, que teria privilégios na cadeia e participaria dos maus-tratos contra os outros presos. Mendes também foi denunciado à Justiça pelo MPF. Segundo os procuradores, ele teria espancado Muhammed Dhia Jaffer ¿ cidadão irlandês preso em uma das celas da PF por acusações de tráfico internacional de drogas. O Supremo Tribunal Federal já autorizou a extradição de Jaffer para a Bolívia, onde responde por narcotráfico, mas o juiz Ricardo Augusto Leite, da 10ª Vara Federal Criminal, pediu que o STF adie a expulsão, já que a vítima é testemunha do processo.

Jean Carlos teria espancado o colega de cela a pedido de Avilez. A denúncia do MPF afirma que o detento tinha ¿regalias¿ dentro da prisão e ¿mantinha relação de estreita confiança¿ com o ex-chefe do Núcleo de Custódia. Muhammed teria apanhado depois de denunciar os constantes maus-tratos a procuradores da República que faziam uma inspeção de rotina dentro da área da Superintendência da PF na Papuda.

A denúncia do Ministério Público Federal mostra que uma das vítimas seria o ex-prefeito de Águas Lindas (GO) José Pereira Soares. Ele foi preso e levado ao Núcleo de Custódia da PF porque teria extraído areia de sua fazenda irregularmente, com consequente dano à Área de Preservação Ambiental do Descoberto. José Soares também aparece como testemunha no processo. Já o preso Josenilton de Jesus Moreira, que também denunciou ter sofrido maus-tratos, cumpre pena por falsificação de dinheiro. Ele foi preso em setembro de 2008, no Setor Sol Nascente, em Ceilândia.

Roubo na cadeia Depois do afastamento do chefe do Núcleo de Custódia da PF, parentes de presos decidiram denunciar outras situações de maus-tratos contra os detentos. Francisca (nome fictício) enfrentou a prisão do filho em agosto do ano passado. Ele foi acusado de tráfico de drogas, mas, três meses depois, acabou solto e inocentado. Durante esse período, amargou dias difíceis na área da Polícia Federal dentro da Papuda.

A mãe conta que ia visitar o rapaz de 23 anos a cada 15 dias. ¿Eu sempre levava R$ 100 para ele comprar coisas na lanchonete do presídio, o que é permitido. Logo depois das visitas, os agentes colocavam todos de cueca no pátio para revistar as celas. E roubavam o dinheiro de quase todos os presos¿, revela Francisca. ¿Fiquei revoltada, pensei em denunciar, mas é pior. Quem reclama sofre represálias¿, afirma a funcionária pública.

De acordo com a mãe do acusado, na madrugada de 29 de setembro do ano passado, os detentos acordaram, assustados, com um barulho ensurdecedor. ¿Os agentes soltaram uma espécie de bomba no pátio, só para assustar todo mundo. Quando os detentos acordaram, estava todo mundo desesperado, achando que o prédio estava desmoronando. Isso é cruel¿, reclama Francisca.

A denúncia de roubo dentro do Núcleo de Custódia soma-se a outras acusações já constatadas pelo Grupo de Controle Externo da Atividade Policial do MPF. De acordo com o levantamento dos procuradores, o ex-chefe da unidade colocava presos para correrem nus pelos corredores e teria obrigado um grupo de detentos a ingerir água com detergente, o que causou desidratação e diarreia em vários deles. Entre as testemunhas de acusação estão três agentes penitenciários federais, além de vários detentos e seus parentes.

A denúncia afirma que, em 9 de outubro do ano passado, os 22 presos então sob responsabilidade da PF teriam sido colocados por mais de três horas sob sol forte. Dois detentos passaram mal e foram levados ao Hospital Regional do Paranoá. Um deles desmaiou e teve suspeita de infarto.