Título: Os juizados especiais e o custo Brasil
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 13/09/2007, Legislação & Tributos, p. E2

Atritos de consumo, juizados especiais e o chamado "custo Brasil" são três temas constantes na imprensa - embora nem sempre juntos. Muito se fala das ações de consumidores contra fornecedores, da agilidade (ou da demora) dos juizados especiais e dos custos que o Poder Judiciário traz para o desenvolvimento do Brasil, somando-se ao chamado custo Brasil.

A existência de um Poder Judiciário independente e com garantias democráticas e constitucionais respeitadas é imprescindível para o desenvolvimento de um país. E, neste ponto, o Brasil deve muito pouco a outros países de maior nível de desenvolvimento. Mas os entraves burocráticos e a pouca sensibilidade para as questões práticas e outras garantias constitucionais dos jurisdicionados podem atrapalhar muito o respeito à dignidade da pessoa humana e o crescimento econômico.

Os juizados especiais e o Código de Defesa do Consumidor (CDC) tiveram criação praticamente simultânea, considerado o momento histórico: a redemocratização do país e a busca de soluções mais rápidas e práticas para os conflitos sociais. As lides decorrentes das ações de consumo se multiplicaram em volumes impensáveis, mostrando o acerto da edição do código do consumidor e da acolhida dessas ações pelos juizados.

Mas nem tudo é um mar de rosas. A dificuldade de compreensão de alguns julgadores sobre as complexidades empresariais, especialmente na área de serviços, e o engajamento ideológico de outros têm causado problemas para a melhor uniformização de teses controvertidas, provocando insegurança para as empresas e para os consumidores. Do mesmo modo, fornecedores ou consumidores mal intencionados contribuem para uma parcela significativa das ações judiciais que ali correm. O que importa é que elas hoje se somam às centenas de milhares - e é bem provável que já tenham ultrapassado a casa do milhão.

O Estado não estava preparado para tal enxurrada, cuja redução ainda não se vislumbra - embora se possa presumir que um dia isto ocorrerá, descendo-se a níveis "civilizados". E tem buscado soluções para evitar que audiências sejam designadas para dois ou mais anos à frente. Recentemente, o Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) - onde o problema é dos mais graves - publicou o regimento interno do sistema dos juizados especiais do Estado, determinando que nas audiências de conciliação, frustrada a conciliação, seja entregue, desde já, a contestação. É que naquele Estado, como na maioria dos Estados do país, as audiências se subdividem em duas partes: a de conciliação, onde é tentado o acordo, e a de instrução, onde se apresenta a defesa e se colhem as provas orais. No Estado do Rio de Janeiro, a maioria dos juízes tenta a conciliação e, se não se obtém êxito, a instrução é marcada para logo em seguida, ou para uma ou duas horas depois.

A intenção é boa: abrevia-se o tempo de muitos processos. Mas há um pequeno equívoco, que aumenta um pouco mais o custo Brasil. A finalidade dos Juizados especiais, fortemente estimulada pelo Poder Judiciário, é a conciliação. Hoje em dia, as empresas responsáveis pelo maior número de ações acabam fazendo muitos acordos nos juizados, não necessariamente para pagamento. Às vezes parcelam dívidas, ou mesmo demonstram ao consumidor de boa-fé seu erro e este desiste da ação. O certo é que cerca de 40% dos feitos terminam na primeira audiência. Uma parte significativa é arquivada pela ausência do autor. Cerca de 50% das ações prosseguem, com a audiência de instrução. O ideal seria que, nestes casos, a defesa fosse apresentada neste momento, ou em uma data posterior à audiência de conciliação, ainda que a questão fosse apenas de mérito e pudesse ser julgada de plano. É o que ocorre em São Paulo, por exemplo. Alguns juízes determinam que, frustrada a conciliação, a defesa seja apresentada em 10 ou 15 dias.

Qualquer determinação que imponha a apresentação da contestação na primeira audiência, onde o índice de acordos é elevado, implica em um aumento inútil de trabalho. O que se conclui com facilidade é que os advogados dobram, sem necessidade, a quantidade de defesas que elaboram - cerca de duas horas de trabalho por defesa. E por trás disso existe a impressão da própria defesa, cópias de comprovantes, busca de documentos etc. Assim, o que era um simples relatório elaborado para a audiência de conciliação terá de se transformar, desde o início, em uma documentação robusta que servirá de suporte à defesa.

Parece pouco mas, se tomarmos por base um milhão de ações por ano - número conservador -, serão um milhão de horas de trabalho de advogados, mais de cinco milhões de folhas de defesas e outras tantas de cópias de documentos. O aumento dos custos é imediato, mas não tem qualquer resultado prático - e, de algum modo, será repassado aos consumidores.

Poder-se-á argumentar que as decisões virão mais rápidas, o que é verdade. A contrapartida é que a maioria destes processos é submetida a recursos e, portanto o "atraso" de duas ou três semanas não terá resultado significativo. Além disso, uma contestação já elaborada em primeira audiência reduz as chances de acordo, pelo seu componente psicológico. A conciliação prévia tem se mostrado muito mais eficiente. O ideal seria o melhor aparelhamento dos conciliadores, que devem ser treinados à infinita paciência e a boa prática de intermediação.

Por Francisco Fragata Jr. é sócio do escritório Fragata e Antunes Advogados

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