Título: Importados sustentam a expansão da indústria
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/09/2007, Opinião, p. A10

A indústria brasileira cresce a um ritmo forte, apesar de ligeiros e pequenos tropeços, como o observado em julho. O crescimento foi de 6,83% se considerados os meses de julho de 2007 e do ano anterior, e de 5%, se levado em conta o acumulado neste ano ante o de 2006. O número de setores relevantes no parque industrial que apresentaram queda em julho ou mesmo no acumulado dos sete primeiros meses do ano, conta-se nos dedos. O declínio da produção em sete meses é, também, modesto, especialmente levando-se em conta que as importações cresceram no período 28% em valor e 23% em volume. Por outro lado, o uso da capacidade instalada (dados da Fundação Getúlio Vargas) atingiu o mais alto nível da série histórica que se inicia em 1995 - 85,7%. Tudo isso ocorre sem que os preços industriais pressionem a inflação e com o emprego em alta. Uma das conclusões dessas estatísticas é que a expansão dos bens importados, estimulados pelo câmbio valorizado, tem amortecido a pressão sobre os preços que o atual elevado ritmo de produção doméstica desencadearia e que, nesta tarefa, tem recebido a inestimável ajuda da elevação dos investimentos, boa parte deles também realizados com maquinários do exterior.

Setores tradicionais da indústria perdem espaço relativo para os importados, mas esse fenômeno não é geral e nem drástico. De janeiro a julho, a produção física de calçados e artigos de couro decaiu 3,63%, a de material eletrônico, 7,37% e de madeira, 3,8%. Os setores têxtil e de vestuários, que sofrem pesada concorrência da China, estão em território positivo, embora modesto - 2,7% e 3,45%, respectivamente. Na prática, os segmentos que mais apresentaram queda foram o refino de açúcar (- 11,92%) e leite (-5,5%), nos quais o país é competitivo e exportador.

Uma comparação entre os índices de inflação e da produção industrial desde 1995 mostra que em nenhum outro período a expansão da indústria atingiu nível semelhante ao atual com uma inflação tão comportada. Em 1998, a inflação foi de 1,65%, menor que a de hoje, de 3,74%, graças a forte valorização do real. Entretanto, a indústria estava em recessão, com queda de 2,03%, e o país caminhava para uma séria crise cambial. Em 2000, o ritmo industrial chegou a 6,64%, com variação de preços de 5,97%. Já em 2004, quando a indústria avançou 8,3% e o PIB 5,7%, a inflação foi de 7,6%.

Há poucas dúvidas de que há setores que encolherão diante do acirramento da competição, em particular os intensivos em mão-de-obra, que estão sob fogo cerrado da produção extremamente barata que vem da China. A valorização cambial agravou o problema, mas pode não ter sido um fator tão determinante para a reação competitiva quanto o peso de uma carga tributária irracional, uma infra-estrutura deficiente e cara e um custo de capital ainda elevado diante dos países concorrentes. A soma desses fatores é mortal para vários setores industriais, mas os dados do IBGE de emprego e produção revelam que não há a tão temida desnacionalização em massa. O impulso da demanda doméstica parece ser forte a ponto de acomodar sem traumas excessivos uma enxurrada de importações e o crescimento da produção nacional. A conta fecha com um elevado volume de exportações, que dá um empurrão adicional no nível de atividades internas e demanda compras externas. Uma barreira adicional aos importados é o ainda baixo grau de abertura da economia brasileira, com proteção tarifária alta ou média para vários setores da indústria, a começar pela indústria automobilística.

O que as importações não podem fazer é atenuar a temperatura dos preços dos serviços, que começa a se elevar. Demanda alta em todo o mundo tornou os alimentos mais caros. Mas três anos seguidos de expansão do crédito, de elevação do poder de compra dos trabalhadores e meses a fio de queda dos juros elevaram a demanda dos bens não comercializáveis no exterior. Para os bens transacionáveis, o forte e contínuo aumento dos investimentos é capaz de dar conta do recado de uma procura aquecida - outra característica do ciclo atual de crescimento que o distingue de seus antecessores. Se persistir, a inflação de serviços acabará provocando como resposta ações restritivas de política monetária.