Título: Herança de 21 mil processos de anistia
Autor: Luiz, Edson
Fonte: Correio Braziliense, 14/01/2011, Politica, p. 4

Após analisar 66,4 mil ações na última década, comissão ministerial espera terminar de apreciar os pedidos de reparação das vítimas da ditadura militar até o fim da gestão de Dilma

Além da discussão sobre a Comissão da Verdade, que envolve os mortos e os desaparecidos durante o regime de exceção no país (1964-1985), a presidente Dilma Rousseff herdou de seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, aproximadamente 21 mil processos de pedidos de indenização às vítimas da ditadura militar. Apesar de a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça ter julgado, entre 2007 e 2010, cerca de 10 mil casos anualmente ¿ entre 2001 e 2006 a média foi de 4,4 mil ¿, os requerimentos se acumularam no ano passado por falta de funcionários. Nessa última década, 66,4 mil processos foram apreciados e mais de 35 mil pessoas ganharam o direito à reparação econômica ou recuperaram seus direitos políticos e previdenciários.

A pretensão do governo era terminar a análise de todo os processos até o ano passado, mas a falta de funcionários administrativos atrasou a meta. A lei que obriga os órgãos públicos a dispensarem tercerizados, em vigor desde 2010, esvaziou os quadros da Comissão de Anistia. Os antigos funcionários estão sendo substituídos gradualmente por concursados, o que tem atrasado o julgamento dos processos.

A Comissão de Anistia ainda está elaborando seu último balanço anual e não possui números fechados sobre quantos processos deve julgar este ano. Porém, nos armários do órgão estão pelo menos 14 mil casos a serem analisados e cerca de 7 mil requerimentos, principalmente referentes à revisão de benefícios. O último balanço, realizado no primeiro semestre de 2010, mostrava que o governo desembolsou R$ 2,4 bilhões para ressarcimentos. Cada uma das vítimas recebeu entre R$ 100 mil e R$ 1 milhão de indenização do Estado e, em alguns casos, terão pensão vitalícia.

Polêmicas Muitos dos casos que ainda serão julgados são polêmicos. Alguns incluem a indenização dos desaparecidos políticos durante a Guerrilha do Araguaia, ocorrida na Região Amazônica entre as décadas de 1960 e de 1970. Em dezembro do ano passado, a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou que o Estado brasileiro reconheça os militantes e os camponeses que morreram no episódio. Com isso, a Justiça terá que decidir sobre os pedidos de ressarcimento feitos por familiares de 45 pessoas assassinadas na época.

Na ocasião, o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, comemorou, por meio de nota, a sentença da Corte Interamericana. ¿Essa decisão demarca a superioridade da jurisdição internacional dos direitos humanos sobre as decisões judiciais do país que afrontem as suas determinações¿, afirmou, ressaltando que o caso representava uma boa oportunidade de o Judiciário rever algumas medidas tomadas em relação ao tema. ¿É indispensável, portanto, que a decisão da Corte Interamericana dos Direitos Humanos no caso Araguaia seja integralmente cumprida pelo Estado brasileiro¿, acrescentava a nota.

Criada em 2001 para reconhecer e indenizar pessoas vítimas do regime militar, a Comissão de Anistia restabeleceu os direitos de personalidades da história brasileira, como o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, que perdeu cargo no então Ministério da Educação e Cultura e depois se exilou no Chile. A comissão deu à sua viúva, Maria Nakano, uma pensão mensal de R$ 2,2 mil, além de um ressarcimento de R$ 207 mil. Mas houve casos controversos, como o do cartunista Ziraldo Alves, que recebeu mais de R$ 1 milhão, e do jornalista Carlos Heitor Cony, que ganhou indenização semelhante à de Ziraldo.

Reparação A Comissão de Anistia, além do ressarcimento financeiro à vítimas do regime militar, faz outros tipos de reparação, como o pedido oficial do Estado brasileiro, que representa a anistia em si. Além disso, possibilita o retorno aos estudos das pessoas que se ausentaram do país durante a ditadura e tiveram que deixar suas faculdades no país. A partir da aprovação do processo, o período de trabalho no exterior também passa a contar como tempo de serviço no Brasil para fins de aposentadoria.