Título: Cresce adesão às boas práticas de governança corporativa
Autor: Adriana Andrade e J. Paschoal Rossetti
Fonte: Valor Econômico, 28/01/2005, Opinião, p. A16

Uma das mais consistentes tendências que se observam no mundo corporativo, neste primeiro quadriênio do século XXI, é a crescente pressão do mercado pela adesão das empresas às boas práticas da governança. Como a pressão não nasce dentro das corporações, mas vem de fora, o processo de adesão tem sido lento. Mas é irrecusável e deve acelerar-se daqui para frente. A força maior que dá sustentação a esse processo é a transição para uma nova era corporativa, em que estarão superadas formas viciadas de financiamento dos investimentos produtivos e modos questionáveis de alta gestão. Um dos vícios mais perversos que tende a ser extirpado é o de considerar o acionista anônimo e minoritário não como sócio que acompanha estratégias, riscos, oportunidades e resultados, mas como especulador ausente que, quando muito, acompanha os índices do mercado como um todo. Outro vício, que a lei brasileira consagrou, é o de outorgar direitos assimétricos aos acionistas, segundo classes distintas de ações. Outro ainda é o de buscar saídas para negócios mal fundamentados e mal geridos na transferência da propriedade e do controle para grandes investidores institucionais. E, quanto aos modos de gestão, a tendência já em pleno curso é o encolhimento dos espaços para a direção executiva absolutista. Ela baterá de frente não só com acionistas mais presentes e ativos, mas ainda com a reconstituição e o "empowerment" de conselhos corporativos, fiscais e de administração. Há países em que os modos questionáveis de alta gestão têm efeitos mais perversos que as formas viciadas de financiamento e de capitalização do mundo corporativo. Essa é, por exemplo, a queixa maior que se ouve sobre o modelo anglo-saxão de governança. Em outros países, predominam os efeitos dos direitos assimétricos e da baixa proteção aos minoritários: é o caso do modelo latino-europeu. Há países em que, como no Brasil, os dois vícios se misturam, reforçando-se mutuamente. Nesses, a adesão à boa governança, que bate forte tanto na primeira disfunção quanto na segunda, tende a ser mais lenta, pelas resistências culturais e institucionais às mudanças. Ocorre, porém, que, na maior parte dos países, a adesão às melhores práticas de governança corporativa tem avançado. É o que se observa no Brasil, em resposta a um conjunto consistente de novas condições que vêm se estabelecendo nos últimos anos.

Só visões míopes manterão lenta, por mais algum tempo, a migração aos requisitos dos mercados diferenciados

O balanço do qüinqüênio 2000-2004 é positivo. Foram modestos os avanços da nova Lei das S/As, mas, em contrapartida, outras forças externas passaram a atuar com maior vigor. A Bovespa criou o Novo Mercado e os níveis diferenciados de governança, abrindo-os à adesão voluntária. A CVM editou cartilha recomendando padrões de conduta superiores aos exigidos pelos institutos legais e pelos marcos regulatórios. Os maiores fundos de pensão editaram códigos de boa governança e passaram a privilegiar participações em empresas que adotassem os princípios sugeridos. O IBGC editou edições revistas de seu código. Somando-se a essas forças, novas condições internas nas empresas também promovem a adoção de padrões diferenciados. As mais importantes têm sido os processos sucessórios, a formação de consórcios, as fusões, as aquisições e as alianças estratégicas, que exigem novos padrões de relação entre acionistas, conselhos e direção executiva. E entre os novos arranjos internos e o mercado de capitais. Mas nenhum desses fatores, embora muito importantes, tem força equivalente à das evidentes sinalizações do mercado: a nítida preferência por empresas que aderiram aos valores e aos processos da boa governança. Já são 47 as empresas listadas nos níveis diferenciados. A migração só não tem sido mais veloz pelos dois maiores obstáculos que a dificultam: o vício, historicamente enraizado na cultura empresarial do país, de detenção do controle com reduzida parcela do capital emitido, e o descompromisso com as condições exigidas de "tag along". São nítidas, porém, as evidências de que o mercado não sanciona esses e outros vícios da governança questionável. A evolução do índice Ibovespa, comparada com o IGC, não dá margem a dúvidas. No qüinqüênio 2001-2004, descolaram-se as valorizações das ações que compõem estes índices - e em proporções crescentes. Em nenhum dos 54 meses deste período, o Ibovespa esteve acima do IGC. A diferença acumula valorização média 35% superior, cabendo notar que as tendências desses indicadores de mercado confirmam pesquisas mundiais realizadas pela McKinsey, Booz-Allen-Hamilton e The Economist Inteligence Unit, que revelaram a disposição de investidores, em diferentes partes do mundo, em pagar expressivos prêmios de mercado pelas ações de companhias bem governadas. São evidências como essas que tornam irrecusável a tendência à adesão à boa governança corporativa. A relação benefícios/custos da migração para boas práticas demonstra-se favorável. Pelo menos dez ganhos podem ser listados: 1) maior valorização das companhias, por investidores dispostos a pagar "ágios de governança"; 2) maior acesso ao mercado a menores custos de capital; 3) criação de importante requisito para o acesso a mercados financeiros internacionais; 4) atendimento de exigência para alianças estratégicas, em especial as que envolvem agentes internacionais; 5) promoção de maior alinhamento entre acionistas, conselhos e direção executiva; 6) encaminhamento da harmonização dos interesses dos acionistas com os de outras partes interessadas; 7) redução de conflitos de interesse; 8) maior segurança quanto aos direitos dos proprietários; 9) provisão de condições para a melhoria dos processos de alta gestão; e 10) melhor imagem institucional da corporação. Só visões míopes manterão lenta, por mais algum tempo, a migração aos requisitos dos mercados diferenciados. Mas elas são insustentáveis no médio prazo.