Título: Em meio à dor, força para ajudar
Autor: Soares, Elisa ; Silveira, Igor
Fonte: Correio Braziliense, 14/01/2011, Brasil, p. 6

Ainda atordoados, moradores de Teresópolis choram seus mortos, mas há quem, mesmo desolado, consiga resgatar outras vítimas

Teresópolis (RJ) ¿ Com disposição semelhante à do herói grego que inspirou seu nome, o pedreiro Hércules de Oliveira, 31 anos, nem teve tempo de chorar os 28 familiares mortos na tragédia que se abateu sobre a serra fluminense. Quando sentiu a água subindo dentro de casa, conseguiu escapar do rastro de destruição com a mulher e a filha de sete meses fugindo pela mata. Mas avós, primos e tios não tiveram a mesma sorte. Apesar das lágrimas ao falar dos parentes, Hércules, desde então, não para de ajudar nos resgates. Para descrever as condições de Campo Grande, bairro onde morava, considerado o local mais afetado de Teresópolis, diz: ¿Nunca vi tanta gente morta¿.

O ponto mais alto de Campo Grande está praticamente inacessível por terra. Pedras enormes, pedaços de árvores, carros, motos e destroços de casas criam obstáculos intransponíveis quando somados à correnteza que não para de descer morro abaixo. O cenário é de guerra. A equipe de resgate tem utilizado helicópteros para chegar aos locais elevados. Mais embaixo, a ajuda vem dos próprios moradores, que não se eximiram de retirar corpos encontrados, sem luvas ou macas. Cadáveres foram tirados de entulhos em frente à igreja São Sebastião, totalmente destruída. Depois de ficar ilhada por mais de 24 horas, sem luz e água, Regina Ribeiro saiu da própria casa carregada por Hércules e alguns companheiros. Visivelmente abalada, a senhora de 90 anos não cansava de perguntar se o resgate chegaria. ¿Vai chegar, nós vamos ficar com a senhora até eles chegarem¿, respondia Hércules.

A última quarta-feira, para o rapaz, é um dia para ser esquecido. ¿Nunca imaginei isso na minha vida. A cada relâmpago no céu, a gente via uma casa caindo. Perdi meus parentes, perdi tudo o que acumulei durante uma vida inteira¿, chora Hércules.

José de Moura Alves de Sá, 77 anos, também foi retirado de casa, no Campo Grande, por mãos solidárias de voluntários. Marli dos Santos Carvalho, 48, integrava um movimento intenso de gente deixando o bairro, ontem, com o pouco que conseguiu preservar. ¿Só consegui pegar algumas roupas¿, conta a mulher, antes de começar a chorar a morte da cunhada e três sobrinhos.

No centro da cidade, dois pontos tiveram movimento intenso durante todo o dia. Multidões se aglomeravam em busca de parentes desaparecidos na porta da delegacia, transformada em uma espécie de necrotério. Desolado, Paulo César da Conceição procurava por uma sobrinha, Ana Cláudia da Conceição, e os dois filhos dela. Ele não tem dúvidas de que os três estão mortos. Paulo foi uma das primeiras pessoas a alcançarem o bairro de Campo Grande na manhã de quarta-feira. ¿Andei por mais de duas horas para chegar ao topo, onde minha família morava. Mas não reconheci o local. Foi tudo varrido, as casas sumiram¿, conta o senhor de 54 anos. Na garagem da delegacia, onde estavam os cadáveres, funcionários e voluntários usavam máscaras por conta do odor.

Quando o chão desaparece sob os pés

Teresópolis (RJ) ¿ O outro local de movimento grande em Teresópolis é o Ginásio Pedro Jahara, conhecido como Pedrão. Transformado em abrigo para os moradores sem-teto, o painel afixado no local ¿ ¿Teresópolis, um espetáculo de cidade!¿ ¿ contrasta com a situação vista por lá. Rostos inchados de tanto chorar ou ainda incrédulos com tamanha tragédia narram a madrugada de horror pela qual passaram (fotos ao lado). ¿Eram 16 pessoas na minha casa, só tirei seis. Perdi minha mãe, dois irmãos, uma cunhada e seis sobrinhos¿, contou, meio que anestesiado, Domingos Fernandes, enquanto recebia atendimento médico no abrigo montado no ginásio. Ele deslocou o braço direito durante a tentativa de salvar os parentes.

Laura Ferreira de Queiroz, 71 anos, também chora a perda de três netos, com idade entre nove e 13 anos, a cujo sepultamento nem pôde assistir. Machucada e sem lugar para onde ir, ela tem recebido atendimento médico no ginásio que virou abrigo. ¿A parede caiu nas minhas costas e eu fiquei imprensada na porta. A água não parava de subir¿, conta Laura, salva pelo marido, Armindo. O casal de idosos ¿ ele tem 70 anos ¿ não sabe o que vai acontecer daqui para frente. ¿Estamos sem destino¿, diz a senhora. A única preocupação, atualmente, é com a filha, Lucilene, que está no hospital por ter se ferido seriamente nas enchentes.

Donativos chegaram ao ginásio Pedrão e a outros pontos de abrigo ¿ especialmente igrejas dos mais variados credos de Teresópolis ¿ durante todo o dia. As pessoas têm doado roupas, alimentos, água, remédios e produtos de higiene. Janaína Souza Costa, 22 anos, agradece a caridade alheia por poder proteger Pedro Henrique, de apenas 11 meses, do frio, com os cobertores doados. ¿Só Deus sabe a previsão para sairmos daqui¿, diz a jovem, que teve a casa destruída. Uma das mais idosas abrigadas no Pedrão, Dalzira da Silva Peixoto, 87, também é só tristeza. ¿Nem bolsa eu trouxe, não peguei nada. Fiquei com muito medo de cair naquele esgoto, naquela terra¿, lamenta Dalzira, sempre morou na região serrana do Rio. (RM)