Título: Governo é incapaz de prevenir
Autor: Soares, Elisa ; Silveira, Igor
Fonte: Correio Braziliense, 14/01/2011, Brasil, p. 6

Entre 2004 e 2010, o presidente Lula gastou R$ 4,8 bilhões em medidas emergenciais após a ocorrência de tragédias. O valor é quase nove vezes maior do que o dispendido com ações de prevenção

A chuva arrasadora que inundou parte do Sudeste e provocou a pior tragédia das últimas décadas na região serrana do Rio expôs, mais uma vez, a fragilidade das políticas públicas de prevenção no país. Apesar de as catástrofes se repetirem todos os anos, há décadas ¿ com maior ou menor intensidade ¿ a União, dona do maior orçamento para o enfrentamento do problema, continua desembolsando muito dinheiro depois da catástrofe consumada e pouco com ações preventivas.

Desde 2004, o governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva gastou R$ 4,8 bilhões com medidas emergenciais incluídas no Programa de Resposta aos Desastres ¿ administrado pela Defesa Civil do Ministério da Integração Nacional. Por meio de medidas provisórias, como fez anteontem, a União libera verba para estados e municípios socorrerem as pessoas atingidas e restabelecerem a normalidade dos locais. Em 2008, quando houve a tragédia em Santa Catarina que matou 135 pessoas, e no Rio de Janeiro, onde pelo menos 256 morreram no ano passado, mais de R$ 3 bilhões foram aplicados dessa forma ¿ a liberação de recursos só foi feita no ano seguinte.

Nos últimos sete anos, porém, o governo aplicou apenas R$ 539 milhões para a realização de obras de contenção de encostas e canalização de rios, além de construção de centros de gerenciamento de riscos, mobilização de grupos de apoio, capacitação de agentes e comunidades em defesa civil e publicidade de utilidade pública. Essas ações fazem parte do programa tocado pela Integração Nacional chamado de Prevenção e Preparação para Desastres.

Além disso, há outra dificuldade: do montante autorizado em orçamento para uso do programa, pouco acaba se materializando em recursos reais. Entre 2004 e 2010, estavam previstos R$ 2,3 bilhões em projetos preventivos contra chuvas. Ou seja, os R$ 539 milhões desembolsados no período representaram somente 23% do total planejado nas contas federais. Procurada pelo Correio para comentar os números, a assessoria do Ministério da Integração Nacional informou que seus representantes estão em viagem e que, portanto, não falariam sobre o assunto.

Remédio

Para a professora titular do Instituto de Geociência da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a geógrafa Ana Luiza Coelho Neto, a falta de prevenção faz com que o Estado gaste muito mais e não recupere os bens materiais perdidos. ¿Como já dizia minha bisavó, é melhor prevenir do que remediar. Mas é óbvio que depois da casa já sacudida, é necessário entrar com esses remédios (investimentos), que, além de serem bem mais caros, não trazem de volta a vida das pessoas¿, avalia.

Segundo ela, há hoje no país capacitação técnico-científica suficiente para que medidas preventivas sejam tomadas antes das chuvas fortes ocorrerem. ¿Mas, para implementar essas ações, é preciso ter muito conhecimento das áreas. E isso só é adquirido por meio de estudos detalhados que diagnosticam a geologia, o tipo de solo, as características das habitações, entre outros dados. O mapeamento dessas regiões, com todos esses elementos juntos, define os locais de vulnerabilidade. A prevenção é fundamental¿, explica.

"O mapeamento dessas regiões, com todos esses elementos juntos, define os locais de vulnerabilidade. A prevenção é fundamental¿

Ana Luiza Coelho Neto, geógrafa

Só remediar

Gastos efetivos da União (em R$ milhões) Ano Prevenção Resposta 2004 9,8 77,3 2005 21,2 107,1 2006 36,7 128,4 2007 53,5 347,9 2008 112,6 481,3 2009 138,2 1.386,2 2010 167,5 2,305,5 Total 539,8 4.833,8

Fonte: Contas Abertas

Vítimas podem usar o FGTS

Em meio ao caos causado pelas chuvas, o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, anunciou que os trabalhadores de áreas afetadas em municípios que tenham decretado estado de calamidade pública ou situação de emergência, reconhecidos pelo Ministério da Integração Nacional, já podem sacar o FGTS a partir de hoje. O valor pode chegar a até R$ 5,4 mil, que deverão ser autorizados por meio de decreto assinado pela presidente Dilma Rousseff. Além disso, Lupi afirmou que os beneficiários do seguro-desemprego também receberão até duas parcelas a mais do que recebem hoje. Hoje, pela lei, a pessoa é contemplada com três a cinco parcelas do seguro.

¿O trabalhador poderá sacar o dinheiro do FGTS na sua conta. Ele só tem de ir a uma agência da Caixa Econômica Federal, sem burocracia. As pessoas que eventualmente perderam seus documentos devem ir à prefeitura solicitar uma declaração para sacar o dinheiro¿, disse ontem, em entrevista coletiva. Segundo ele, órgãos do governo ainda estão cruzando as informações dos municípios que tenham decretado situação de calamidade pública e emergência para saber o total de trabalhadores que serão beneficiados pelas medidas e os valores a serem concedidos. ¿Esse procedimento já foi feito em desastres climáticos anteriores, como os ocorridos no Nordeste e em Santa Catarina¿, lembrou. Lupi afirmou ainda que o objetivo é ajudar o trabalhador a recuperar as casas destruídas e os pertences mais imediatos. ¿É um mecanismo que o governo tem para atender aos trabalhadores. A pessoa que já está desempregada nas regiões onde ocorrem desastres naturais não tem como conseguir emprego. É algo muito forte. Por isso, esse ato do governo é apenas um ato coerente¿, disse. (LK)

"As pessoas que eventualmente perderam seus documentos devem ir à prefeitura solicitar uma declaração para sacar o dinheiro¿

Carlos Lupi, ministro do Trabalho

Deu no

El Pais

No início da noite de ontem, o site do jornal espanhol noticiava ¿419 falecidos pelas chuvas em região do Rio¿, ressaltando que era o último dado oficial das autoridades brasileiras. O El País também dizia que a presidente Dilma Rousseff lamentou a falta de políticas de moradias, o que levou a população a erguer construções em áreas de riscos. O jornal mantém informações sobre a situação do Rio de Janeiro atualizadas em seu site.

Le Monde

A tragédia do Rio também estava entre as principais notícias do jornal francês na internet. À noite, o Le Monde anunciava que o número de vítimas da catástrofe já passava de 400 em apenas dois dias. O jornal afirma que a região montanhosa de Teresópolis se transformou em uma paisagem de destruição e de morte por causa das chuvas e do deslizamento de terras.

New York Times

O site do jornal americano New York Times também atualizava os números da tragédia no Rio de Janeiro e noticiava, na noite de ontem, que passava de 400 o total de mortos na região serrana, para onde mandou um enviado especial. O NYT relatava que a chuva continuava e que a presidente Dilma Rousseff fez um sobrevoo de helicóptero na área atingida. No site, além de fotos e de uma grande reportagem, foi postado um vídeo em que é mostrada a situação dramática de um salvamento.

Clarín

A tragédia no Rio é uma das manchetes do site do jornal argentino Clarín, que diz ¿Rio: mais de 400 mortos na pior inundação de sua história¿. O site informa que, outra vez, chuvas torrenciais castigaram a região do Rio de Janeiro. O Clarín noticia a visita de Dilma Rousseff ao local e destaca uma frase em que a presidente brasileira relata que o sofrimento da população é visível. O jornal argentino ressalta que as chuvas também castigam os estados de São Paulo e Minas Gerais.

CNN

A rede de televisão americana CNN mostra a catástrofe da região serrana do Rio ao lado da notícia sobre um resgate feito na Austrália, onde um adolescente perdeu a vida para salvar seu irmão. A emissora também já atualiza o número de mortes, passando para mais de 400. A CNN informa que as vítimas são famílias que moram em uma área de ¿extremo risco¿. Além disso, noticia o sobrevoo da presidente Dilma Rousseff ao local da tragédia e que prometera ajuda às vítimas.