Título: Projeto da Perdigão alimenta ambições na goiana Mineiros
Autor: Mauro Zanatta
Fonte: Valor Econômico, 28/01/2005, Opinião, p. A18

De cidade do "turismo-saúde" a pólo agroindustrial, Mineiros, em Goiás, prepara-se para mudar radicalmente de perfil nos próximos cinco anos. E de tamanho. Ansiosos, seus habitantes - são 43 mil no total - só têm um assunto: a chegada da unidade de abate e processamento de aves do frigorífico Perdigão, que começará a operar em 2006. No município do extremo sudoeste goiano, a 430 quilômetros da capital do Estado, empresários e produtores rurais sonham com as oportunidades que devem ser criadas pelos R$ 500 milhões em investimentos da empresa e seus parceiros no Projeto Araguaia até 2009.

No rastro do abate de 25 mil perus por dia e de 8 mil frangos e chesters por hora, boa parte destinada à exportação, a prefeita Neiba Barcellos (PSDB) estima que a cidade receberá cerca de 20 mil migrantes nos próximos cinco anos. A boa qualidade de vida (9º lugar no Estado) contrasta, entretanto, com a grande concentração da terra e da renda. Mineiros tem o 11º maior PIB de Goiás - é o 4º na agropecuária - e figura entre os 15 municípios mais competitivos de Goiás. Mas sofre ao ser apenas a 36ª em renda per capita, com R$ 5,4 mil - próxima da média estadual, de R$ 5,8 mil, mas bem longe dos R$ 7,7 mil do Brasil. "Tem gente muito rica e também muito pobre", diz a prefeita, que sucedeu outra mulher. Num bairro mais afastado, casas de alto padrão e potentes caminhonetes convivem com humildes barracos. Na raiz do contraste está o processo de ocupação da região. Fundada por pecuaristas e garimpeiros, a cidade ainda exibe marcas dos dois grupos, analisa o professor Wilmar Mendonça, da Fundação Municipal de Ensino Superior (Fimes). "É um legado difícil". Apesar do cenário comum às grandes cidades, a educação é um ponto forte. Há 44 escolas e 13 mil alunos. A taxa de alfabetização é superior a 90%, e a faculdade local (Fimes) tem cursos de Agronomia, Administração, Computação, Engenharia Florestal, Sistemas de Informação e Zootecnia. Além disso, 15 mestres e doutores mantêm pesquisas em Antropologia Social, Entomologia, Fitotecnia e Reflorestamento no Instituto de Pesquisa Agropecuária (Ipaf). "Mas os cursos ainda são caros. Vamos trazer a UEG (universidade estadual) para baratear isso", adianta a prefeita. A cidade tem 98% de água encanada e 90% de rede de esgoto, mas não há estação de tratamento dos resíduos. A mortalidade infantil está atualmente em 33,56 óbitos por mil nascidos vivos - ante uma média brasileira de 33,1. Já o IDH-M local, que mede o nível de desenvolvimento, é de 0,780, bem acima do 0,693 da média nacional. Para abocanhar uma boa parte dos oito mil empregos diretos e indiretos da Perdigão, os mineirenses terão, porém, que se qualificar melhor. "Temos boa mão-de-obra, mas precisamos antecipar essas novas demandas", diz o presidente da Associação Comercial e Industrial (Acim), Hélio Cabral. Uma unidade do Senac já foi aberta, e o Sebrae-GO tem feito cursos de habilidades específicas, como vendas e administração. "A concorrência vai ser grande, e as pessoas têm que largar a acomodação", observa Cabral. Ainda desconfiados dos ganhos futuros, mas não menos otimistas, os produtores rurais apostam numa parceria com a empresa para plantar e vender mais soja, milho e sorgo. Além disso, 200 deles serão selecionados para investir na criação de perus, frangos e chesters. Pecuaristas devem ser o alvo preferencial da Perdigão. "Buscamos parceiros para complementar a renda de sua atividade, como os produtores de leite, mas que tenham uma área grande e crédito bancário", resume Nelson Vas Hacklauer, diretor de Desenvolvimento de Negócios da empresa. Como incentivo, a Perdigão ganhou isenção de 70% do ICMS por dez anos, um terreno de 120 hectares para erguer os abatedouros e mais 1,7 mil hectares para reflorestamento - além de 200 lotes para construir casas para funcionários e 20 hectares para um clube. A prefeitura estima em cerca de R$ 5 milhões o valor das doações ao frigorífico. Mas nem tudo são flores no relacionamento com os mineirenses. Alguns detalhes do Projeto Araguaia ainda estão obscuros, segundo lideranças locais. A cooperativa Comiva, por exemplo, está preocupada com a exclusão de pequenos produtores. "São os que mais precisam, mas têm restrições bancárias ou falta capital de giro", afirma seu presidente, Ariomar Vilela. Cada módulo de quatro galpões para 100 mil aves deve exigir R$ 1,2 milhão em garantias para atender às regras do Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO). "Vai excluir muita gente", afirma. A Comiva, que faturou R$ 80 milhões em 2004, também espera uma parceria com a Perdigão para construir uma esmagadora de soja. "Não temos interesse na soja. Vamos apenas procurar um investidor", sentencia Nelson Hacklauer. Os produtores de grãos, pressionados pelo cenário desfavorável para os preços na atual safra, querem turbinar os lucros. "Eles têm que comprar aqui e remunerar melhor. Só a rentabilidade do peru e do chester é pouco. Queremos mais", diz Onildo Rocha, presidente da APGM, que reúne 78 médios e grandes produtores. Vilela afirma que a empresa quer comprar milho mais barato em Rondonópolis (MT) e pede um contrato de venda com lucro fixo entre 10% e 15%. A Perdigão resiste. "Vamos pagar o melhor preço, mas dentro do mercado", responde Hacklauer. Dona de uma produção de 600 mil toneladas de grãos, 320 mil cabeças de gado, 75 mil litros de leite por dia e clima ameno, Mineiros tem uma logística de transporte favorável. É cortada por duas rodovias nacionais (BR 364 e BR 359) e duas estaduais (GO 341 e GO 344). E mais: está a 130 quilômetros do terminal da Ferronorte em Alto Taquari (MT). A empresa usará a estrada para exportar boa parte da produção pelo porto de Itajaí (SC). A euforia com os investimentos da Perdigão já começa a expor as dores do crescimento, a exemplo do que aconteceu na vizinha Rio Verde. Os preços têm subido e a especulação corre solta. Um terreno de 250 metros quadrados, cotado em R$ 1,2 mil até meados de 2004, hoje não custa menos de R$ 3 mil. O aluguel de uma casa de três quartos já vale R$ 600. "Quem tem, não vende nem aluga", diz Hélio Cabral, da ACIM. A chegada do FrigoEstrela, que abate 1,2 mil cabeças de gado/dia e emprega 800 pessoas, foi um ensaio do que está por vir, entendem as lideranças. A população da cidade cresce a taxas acima da média estadual - 3,7% ao ano entre 1996 e 2000. "Começaram a surgir alguns delitos pequenos, como furtos e roubos", admite a prefeita. Ela já pediu ao Estado o envio de mais efetivo de policiais militares à cidade. "Só temos 45 homens, mas precisaremos de pelo menos 300", estima. Mas a maior preocupação é com moradia. "Temos que construir 230 casas a partir de julho e mais 500 até meados de 2006 para acompanhar a Perdigão", diz ela. "Senão, vamos incentivar as invasões", completa. A riqueza da soja e da pecuária de corte tem alavancado a construção civil até aqui. Há pelo menos 30 novas casas sendo erguidas na cidade. E quatro prédios de três andares farão companhia ao único edifício - de 12 pisos - local. Grupos da região já ensaiam construir dois novos hotéis e conjuntos habitacionais. A bonança das últimas três safras deve se traduzir em mais dinheiro para a construção civil. Na questão de infra-estrutura, ainda há obstáculos para Mineiros. A manutenção de estradas vicinais e a expansão da rede elétrica ficaram a cargo da prefeitura. "Temos o compromisso, mas me preocupa o volume do investimento", afirma a prefeita. O entusiasmo dos mineirenses se explica pela vizinhança com o município de Rio Verde, que experimentou um vertiginoso crescimento com a chegada da mesma Perdigão, em 1998. Embalados por quase R$ 1 bilhão em investimentos da indústria e de seus parceiros para produzir 200 mil toneladas de carne de frangos e suínos, floresceram 19 mil novos postos de trabalho. A cooperativa local, a Comigo, investiu R$ 110 milhões desde 1999 e ficou ainda maior: faturou R$ 884 milhões em 2004. O progresso da cidade é evidente. Na cidade, sempre fervilhando de gente, existem 17 prédios, que dividem espaço com novos bairros e dezenas de pontos comerciais revigorados. De supermercados a concessionárias, de frigoríficos a lojas de máquinas e equipamentos agrícolas. No calçadão, mais bares, restaurantes, boates e empregos no setor de serviços. Em cinco anos, a população saltou de 80 mil para cerca de 120 mil.