Título: Renan resiste à pressão por licença
Autor: Ulhôa, aquel
Fonte: Valor Econômico, 14/09/2007, Política, p. A7

Uéslei Marcelino / Folha Imagem Renan diz que se absteve e comenta discurso de colega que pede a sua renúncia: "A democracia é bela porque permite momentos como esse"" Alheio à repercussão negativa de sua absolvição pelo plenário, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), sinalizou ontem a disposição de não abrir mão do comando da Casa, apesar das pressões. Fez questão de presidir parte da sessão, procurou a oposição para propor entendimento em torno de uma "agenda legislativa", e negou qualquer possibilidade de afastamento do cargo.

Ao ouvir do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), em discurso da tribuna, recomendação para renunciar à presidência do Senado, Renan mostrou o sangue frio que caracterizou seu comportamento durante todo o processo. "A democracia é bela porque permite momentos como esse", afirmou, dando a palavra ao orador seguinte.

Ao chegar ao Senado, no início da tarde, Renan afirmou que se absteve na votação da véspera, na qual 40 senadores votaram pela preservação do seu mandato, 35 votaram a favor da cassação e seis se abstiveram. "É claro que me abstive. Como seria diferente?", comentou.

Esses seis senadores que se abstiveram garantiram a absolvição, já que a perda do mandato ocorre quando 41 senadores (maioria absoluta) votam pela cassação. A oposição responsabiliza o PT, já que o partido deixou a questão em aberto e lideranças petistas, após dias de posição dúbia, defenderam Renan durante na sessão.

Aliados de Renan no PMDB e no governo continuam defendendo que ele peça licença do Senado por no mínimo 30 dias, numa tentativa de acalmar os ânimos na Casa. Por enquanto, ele nega, mas a licença é vista com bons olhos pelo Palácio do Planalto, que teme turbulência na votação da prorrogação da CPMF.

É que Renan não se livrou totalmente. O parecer julgado na quarta-feira refere-se à primeira de três denúncias apresentadas ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar contra ele. A partir de representação do PSOL, o pemedebista foi acusado pelos relatores Renato Casagrande (PSB-ES) e Marisa Serrano (PSDB-MS) de quebrar o decoro por vários fatores, entre eles o de ter usado um lobista da Mendes Júnior como intermediário de pagamentos à jornalista Mônica Veloso, com quem tem uma filha fora do casamento.

Para os relatores, entre outras irregularidades, Renan mentiu ao tentar comprovar que tinha recursos suficiente para arcar com as despesas. O parecer foi aprovado pelo Conselho de Ética por 11 votos a 4, em votação aberta. No plenário, em votação secreta, foi rejeitado.

A próxima representação a ser julgada pelo Conselho de Ética contra Renan refere-se à suposta atuação para beneficiar a cervejaria Schincariol. A empresa teria comprado uma indústria de Olavo Calheiros (PMDB-AL), irmão de Renan, por um preço superfaturado. Em troca, a família teria ajudado a Schincariol a negociar débitos fiscais com o governo federal.

Outra representação, proposta pelo DEM e pelo PSDB, se baseia em denúncias do empresário e político João Lyra. A acusação é ter usado laranjas na compra de emissoras de comunicação em Alagoas. O P-SOL apresentou outra representação, em que acusa Renan de ter sido beneficiário de um esquema de desvio de recursos de ministérios comandados pelo PMDB. As denúncias foram feitas pelo advogado Bruno de Miranda Lins, ex-genro de Luiz Garcia Coelho, amigo de Renan.

O senador Gerson Camata (PMDB-ES), correligionário de Renan, em discurso considerado duro defendeu a criação da "CPI da ratoeira", para apurar todos esses fatos juntos. "Pela CPI, quebra-se o sigilo bancário de todo mundo. Se não passarmos iodo, álcool, inseticida, germicida em cima desta chaga, o Senado vai ficar continuamente exposto ao ridículo e à vergonha da nação. Se não tomarmos providência em relação ao que aconteceu, vamos carregar o defunto de ontem nas costas por esse tempo afora", disse.

O capixaba criticou o PT pelas abstenções - apenas o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) assumiu ter votado dessa forma. "Vimos o surgimento do gay cívico. É o senador que não vota nem sim nem não, abstendo-se de votar", afirmou, referindo-se ao fato de que este, que não assume posição, opta pela "coluna do meio". Irônico, cumprimentou o PT "pela competência, pela habilidade genial com que conseguiu começar a extinção do Senado Federal": "Tenho uma solução, pois, o que vamos fazer com esse imóvel bonito, com o Senado extinto? A idéia é colocar aqui os 40 ladrões do Supremo. Agora, coloca uma verba: só podem roubar R$ 100 milhões por ano. Eles ficam aqui, brigando, roubando, de modo que não vão roubar da Petrobras, do Marcos Valério, do BMG. Eles só podem roubar R$ 100 milhões. E aí o Tribunal de Contas precisa vigiar: quando roubarem R$ 101 bilhões. Êpa. Passou do limite! Seria um grande benefício ao Brasil se conseguíssemos fazer isso".

Embora não admita, a estratégia pensada por seus aliados é que na próxima semana, depois de alguns dias de comemorações em Alagoas e demonstração de força, ele peça licença. Inicialmente, seria um afastamento de 30 dias. Mas, se o ambiente político não for tranqüilizado, a licença pode ser prorrogada. Ao sugerir que Renan renuncie ao cargo, Cristovam disse que o gesto "traria paz ao Senado". Pedro Simon (PMDB-RS) rejeitou a idéia: "Ou ele fica e agüenta os outros três processos que estão aí ou ele renuncia".

Na Dinamarca, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que a decisão do Senado de absolver Renan deve ser "acatada". Segundo o presidente, é necessário "nos habituar´´ a aceitar resultados independentemente do que desejamos.

"Eu acho que nós precisamos nos habituar a acatar as decisões das instituições que nós submetemos. Ou seja: eu não posso admitir que eu só posso acatar o resultado quando ela favorece aquilo que eu pensava", afirmou Lula.

Segundo o presidente, os senadores têm de retomar as atividades porque há várias propostas em tramitação que são de interesse da sociedade. Entre as prioridades, listadas por ele, estão a aprovação da CPMF e a reforma tributária. "Eu acho que o Senado resolveu o problema ontem. Para um presidente da República, o que interessa é que o Senado volte a funcionar com normalidade, nós temos CPMF, reforma tributária e coisas de interesse do povo brasileiro. É isso que interessa´´, disse Lula. (Com agências noticiosas)