Título: Alencar surpreende Varig ao falar em estatização
Autor: Daniel Rittner e Vanessa Adachi
Fonte: Valor Econômico, 01/02/2005, Empresas &, p. B1

O vice-presidente e ministro da Defesa, José Alencar, disse ontem que a solução para a crise da Varig deve passar pela estatização temporária da empresa, com a transformação das dívidas com credores públicos em participação acionária. "A estatização imediata pode ser uma conseqüência da transformação de créditos em capital", afirmou ele, após uma reunião de quatro horas para discutir o futuro da companhia aérea com executivos da própria Varig, da Fundação Rubem Berta, do Unibanco e da Trevisan. Alencar garantiu que a intenção é vender logo em seguida a participação do governo, "sem segredos", por meio de leilão público em bolsa de valores. TAM e Gol poderiam participar da disputa, acrescentou. "Todos os candidatos à compra serão qualificados antes. Senão, podem aparecer pessoas sem condições de operar com responsabilidade uma companhia aérea." As declarações contrariaram a versão dada minutos antes pelo presidente da Varig, Carlos Luiz Martins, que saiu da reunião descartando enfaticamente a hipótese de intervenção ou de estatização da empresa. "Essas premissas já foram afastadas", afirmou. Na verdade, o que aconteceu é que a proposta encaminhada pela Varig e pelo Unibanco se apóia na utilização da Nova Lei de Falências para o setor aéreo. Possibilidade essa que corre o risco de ser vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo assim, trabalhando com essa premissa, a proposta prevê a conversão de dívidas da Varig em capital para os credores que aceitarem. Assim, os credores assumiriam a empresa e poderiam vendê-la para recuperar seu capital. No entanto, segundo fontes disseram ao Valor , dentro dessa idéia, não há risco de estatização - mesmo que momentânea - porque nem todo o crédito do governo pode ser convertido em ações. Os débitos do INSS e Receita Federal, que respondem por 75% do total que o governo (incluindo as estatais) tem a receber da Varig, não podem ser convertidos, pela legislação atual. Se pudessem, seria a solução ideal do ponto de vista dos atuais administradores da Varig. Mas o fato é que seria necessária uma alteração na legislação que permitisse isso. O governo detém a maior parte dos créditos contra a Varig. INSS e a Receita Federal respondem por 55% das dívidas totais da empresa. Infraero, BR Combustíveis e Banco do Brasil representam cerca de 20% do total dos débitos. General Electric e Boeing são os maiores credores privados. Todos serão chamados pelo Ministério da Defesa, a partir da semana que vem, para discutir os créditos a receber da companhia aérea. Cada caso será analisado individualmente, observou o ministro. Quando não houver possibilidade de converter as dívidas em ações, uma alternativa será o alongamento de prazo para pagamento dos débitos. "Mas alongar o prazo para uma companhia que terá condições de operar, porque estará saneada", explicou. Para Alencar, como está, nem sequer os slots (direitos de pouso e decolagem) da Varig em 29 aeroportos internacionais e sua marca têm valor de mercado, e é preciso dar uma "solução cabal" à crise da empresa. Essa solução estará totalmente completada em cerca de seis meses, disse o vice-presidente. Ele se esquivou de responder sobre a chance de o governo desistir de um recurso para a ação em que a Varig obteve vitória contra o governo no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em dezembro, e abriu espaço para receber mais de R$ 2 bilhões. E descartou a alternativa de intervenção federal, divisão da Varig em duas empresas e a liqüidação extra-judicial da parte ruim. "Aquela não era boa", afirmou. O presidente da Varig foi menos conservador do que Alencar na estimativa de um período para concluir as negociações. "Em três ou quatro meses, se não tivermos uma solução final, ela estará pelo menos bem delineada." Martins disse que não há como "trocar dívidas por ações sem antes conversar com os credores e oferecer a eles as possibilidades de capitalização da empresa". Para Martins, a Varig não tem como reduzir suas operações enquanto não sai uma solução definitiva para a crise porque a estrutura da companhia já está enxuta. A aérea está "vislumbrando algumas operações que auxiliem no curto prazo" a superação das dificuldades mais imediatas, como negociações com a Infraero ou o Banco do Brasil, mas Martins defendeu mesmo um encontro de contas entre as dívidas com o governo e a ação ganha no STJ.