Título: O Judiciário mostrou-se mais aberto à pressão da opinião pública
Autor: Junqueira, Caio
Fonte: Valor Econômico, 14/09/2007, Política, p. A8

Maria Tereza Sadek ressalta as diferenças: "O Senado julgou um igual em sessão fechada; o Supremo, políticos em sessão aberta" A publicidade das sessões que julgaram anteontem no Senado o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), e no Supremo Tribunal Federal há três semanas o acatamento da denúncia do mensalão, foi um fator determinante nos resultados distintos que esses julgamentos tiveram. No caso, para absolver Renan e para colocar no banco dos réus os 40 envolvidos na maior crise do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

É o que analisa a professora Maria Tereza Sadek, professora-doutora de Ciência Política da USP. Para ela, a publicidade das decisões é uma variável altamente significativa para prever o comportamento de uma instituição. "A probabilidade daquela votação no Supremo ter sido diferente é grande, se não houvesse uma repercussão tão grande, se a imprensa não estivesse voltada para tudo o que aconteceu, se não tivesse uma TV Justiça transmitindo o julgamento", afirmou.

A seguir, trechos da entrevista concedida ontem ao Valor.

Valor: Como a senhora avalia o comportamento distinto do STF e do Senado frente à pressão da opinião pública?

Maria Tereza Sadek: O Senado se mostrou muito fechado à opinião pública, enquanto o Judiciário foi mais sensível, o que não significa dizer que votou segundo a opinião pública. Mas há outras variáveis importantes que precisam ser consideradas. O Senado julgou um igual em sessão fechada; o Supremo, políticos em sessão aberta. Essas diferenças são gritantes. Você tinha um jogo de partidos no Senado que não se reproduz no STF. E percebe-se claramente que houve divisões nos partidos. No STF é difícil falar que havia uma grande divisão interna. No Senado havia basicamente uma divisão entre situação e oposição, mas nem essa divisão indicava qualquer tipo de posição.

Valor: O que leva a esses diferentes tipos de comportamento?

Maria Tereza: As regras são absolutamente diferentes. O Senado age de acordo com mecanismos internos muito mais corporativos. E o fato de ser uma votação secreta e sigilosa em todos os sentidos também teve uma influência muito grande. Claramente, se essa votação fosse aberta como foi a do Supremo, o resultado não seria esse. Veja que há senadores escondendo voto. O Senado acabou votando contra si próprio. Cada um muito preocupado com as suas próprias razões e a questão institucional caiu por terra. No Supremo, ao contrário, a questão institucional pesou e pesou muito.

Valor: Mas por que para um importou a questão institucional e para outro não?

Maria Tereza: Dizer importa e não importa é muito radical. É necessário fazer uma mediação. No caso do Senado, a questão institucional também importa, tanto que houve briga antes da votação. Mas na classe política há outros valores que falam mais alto que o institucional, como a obtenção de vantagens próprias, a perda de vantagens, as ameaças que, no caso, o Renan fez. Isso conta muito.

Valor: A senhora acha que o resultado seria diferente no STF caso o julgamento tivesse sido em sessão secreta?

Maria Tereza: É difícil arriscar. Mas a probabilidade da votação no Supremo ter sido diferente é grande, se não houvesse uma repercussão tão grande, se a imprensa não estivesse voltada para tudo o que aconteceu, se não tivesse uma TV Justiça transmitindo o julgamento. Não digo que o resultado seria diferente, mas que haveria uma alta probabilidade disso ocorrer. No entanto, repito. É uma hipótese que não há como ser testada

Valor: Pode-se entender que o fator determinante no julgamento do STF e no Senado foi a publicidade da sessão?

Maria Tereza: Se você me perguntasse quais são as variáveis que são extremamente significativas para prever o comportamento de uma instituição eu diria, em primeiro lugar, a publicidade das decisões. Mas não é só isso. Não se pode isolar essa variável de pressão. Não dá para dizer que os senadores desconheciam que existia uma pressão. No entanto, se eles tivessem que dizer se eram contra ou a favor ao vivo, eles não teriam esse comportamento. Há ainda outras variáveis que pesam bastante, como julgar um igual, que ali no caso era mais do que um igual, era o presidente da Casa.

Valor: O Judiciário tem tido uma preocupação maior em dar resposta à impunidade do que o Legislativo?

Maria Tereza: As instituições são vulneráveis a tudo que as afeta, ao ambiente externo. O que digo é que o grau de vulnerabilidade é maior quando você tem discussões abertas e quando está tendo um apoio formal que é mais aberto e conhecido. Na questão do Supremo, você sabia quais eram os estatutos legais que seriam usados quer para acusar, quer para defender. No caso do Senado, você não tem esses estatutos legais conhecidos, porque ali é um julgamento de natureza estritamente política.

Valor: E essa preocupação de encampar o clamor da sociedade?

Maria Tereza: Tem que tomar cuidado com isso. Não é assim 'respondeu à sociedade, ao clamor de uma indicação de direção da sociedade'. Não é isso. A questão é ser sensível a um clima popular. A letra fria da lei tem que ser matizada. Trata-se de interpretações sobre textos legais. A idéia de letra fria é um mito e em função desse mito que se procurou legitimidade. A legitimidade do Judiciário está na possibilidade de dar respostas a determinados conflitos de uma forma que seja baseada na lei.

Valor: O Judiciário hoje, depois desses julgamentos, se sobrepõe ao Legislativo?

Maria Tereza: O Judiciário se mostrou mais aberto. O fato de o Senado votar como votou, secreto, é algo por si só muito problemático. Como uma casa de representação popular vota secretamente? É algo que tenho dificuldade de entender. Já no Judiciário, toda sessão é aberta. Isso contrasta com o que até o presidente Lula já disse, de que se trata de uma caixa preta. Ao contrário, no julgamento do mensalão mostrou uma abertura que uma casa de representação como Senado não mostrou.